Category Archives: Demarcação de Terras Indígenas

Índios Gamela são atacados em Viana (MA)

Por CLAPA

No final da tarde deste Domingo (30) um grupo Gamela foi atacado na região do Povoado das Bahias, interior do município de Viana (MA). Ao menos 13 indígenas foram feridos por golpes de facas, paus e armas de fogo.

Os Gamela decidiram se retirar de uma área recentemente ocupada no Povoado das Bahias prevendo a possível violência por parte dos Grileiros-Fazendeiros e enquanto saíam foram atacados por dezenas de homens, entre eles fazendeiros e capangas armados, além disso, segundo os Gamela, a Policia Militar já estava no local quando começaram os ataques e não interveio.

Na foto, estrada que leva à retomada atacada. Ao fundo, um carro de polícia junto ao grupo de fazendeiros e capangas antes da ação violenta. Fonte: CIMI.

 

Segundo o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), as informações garantidas até agora sobre o massacre contabilizam cinco indígenas baleados, além disso outros dois tiveram as mãos decepadas. Até o momento não há confirmação de mortes.

Fonte: CIMI.

 

Reação às retomadas

Na sexta-feira (28) um grupo Gamela fez a retomada de uma área adjacente a Aldeia Cajueiro Piraí que fica localizada no território tradicional reivindicado pelos indígenas. Além disso os Gamela trancaram uma rodovia em apoio á greve geral e ao Acampamento Terra Livre.

Foto da área retomada na sexta-feira (28). Fonte: CIMI.

A reação por parte dos fazendeiros foi imediata.  Um texto passou a circular em diversos grupos de Whatsapp de Viana e comunidades próximas convocando os moradores locais a se unirem ao aparato repressor dos ruralistas: “Comunicado, venho através deste comunicar a sociedade de Matinha que ainda pouco tivemos uma reunião no Santero, que foi tratado a questões dos que se intitulam (indios) que na verdade são bando de ladrões, invasores de propriedades alheias, eles estão metendo terror na comunidade de são Miguel próximo ao santeiro, são Pedro ,estrada de Penalva e chulanga estão cortando arame, ameacando os moradores matando porco, galinha e gado e comendo. estão querendo realmente se apropriar de todas as propriedades ente itaquaritiua a Matinha ,Santero são Miguel e outras. e agora não só as grandes, as menores também, dizendo que vão invadir meter o panico. Diante isso tamos também nus organizando, unindo forças pra enfrentar esses ladrões, no dia 30 deste mês 14:00 horas terá outra reunião pra tratarmos desse assunto ,quem tiver interesse compareça lá, vamos nus unirmos pra defender o que eh de direito seu, hoje somos nois ,amanhã poderá se vc, não estamos livres desses bando de ladrões que se intitulam ( índios) compareça e divulgue a reunião acontecerá dia 30 deste mês no Santero as 14:00 horas (SIC)”.  

Porém os Gamela afirmam que o ataque estava sendo premeditado independente da retomada pois há um grupo que se auto intitula “Movimento Pela Paz” que está incitando moradores do povoado Santeiro. Os fazendeiros também têm se revoltado com o movimento de “corta de arame”  que os Gamela realizam por todo o território tradicional

Mídia local apoia os fazendeiros

Ouça na íntegra a entrevista com o Deputado Federal Aluísio Guimarães (PTN/MA), membro da bancada da bala no congresso e um dos incitadores do ataque, também participaram da entrevista outras lideranças que se posicionam contra as retomadas dos Gamela em seu território tradicional e a favor das ações genocidas dos fazendeiros e seus capangas.

 

Ataques ao Povo Gamela

Devido a ineficácia do órgão competente nos processos de identificação e demarcação de território (FUNAI) os Gamelas decidiram retomar por si suas áreas tradicionais que estavam sendo griladas e tomadas por fazendeiros. Em 2015 um ataque a tiros que não resultou em feridos foi empreendido contra uma destas áreas de retomada e em agosto de 2016 homens armados e em um carro de uma empresa de segurança invadiram outra área de retomada dos Gamela e foram expulsos pelos indígenas.

‘Estavam atirando em nós como se fôssemos criminosos’

Ato com mais de três mil indígenas termina com repressão em frente ao Congresso

Na tarde desta terça-feira (25), mais de três mil indígenas que participam do 14º Acampamento Terra Livre tomaram as ruas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília.Depois de realizar uma espécie de grande marcha fúnebre, eles acabaram sendo reprimidos ao tentar depositar quase 200 caixões no espelho de água do Congresso. Os policiais utilizaram gás lacrimogênio e spray de pimenta contra os manifestantes. Havia mulheres, crianças e idosos no ato.

“Essa marcha simboliza o genocídio que o governo, junto ao parlamento e a Justiça, estão fazendo com os direitos dos povos indígenas. Queremos mostrar para o Brasil e o mundo o quanto a legislação indigenista brasileira está sendo atacada”, diz Kleber Karipuna, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Manifestante protege-se de ataque da polícia. Foto: Mídia Ninja / MNI

“A nossa principal pauta é pela demarcação das Terras Indígenas. É a primeira vez que se reúnem mais de três mil indígenas em Brasília nos últimos anos”, comenta Eunice Kerexu Guarani Mbya, da TI Morro dos Cavalos.

Saindo do acampamento, ao lado do Teatro Nacional Cláudio Santoro, a manifestação caminhou tranquilamente durante cerca de 40 minutos, quando chegou ao Congresso. A ação pacífica foi dispersada pelas polícias militar e legislativa.

Protesto foi pacífico até intervenção da polícia. Mídia Ninja / MNI

Angela Katxuyana, liderança indígena do norte do Pará, repudia a ação da polícia: “Cada dia a gente vem sofrendo, vem sendo massacrado, e quando a gente vem dialogar com o Estado, acontece isso. A violência contra os povos indígenas continua tanto no papel quanto aqui”, diz.

José Uirakitã, do povo Tingui Botó (AL), testemunhou a repressão, que se seguiu por mais de 1h, coletou artefatos utilizados pela polícia: “Eles estavam atirando como se fossemos criminosos”, revela.

De Pernambuco, Cida Atikum, uma das quase mil mulheres que participavam da ação, também se indignou: “Nós queremos o que é nosso por direito. Por isso que nós vamos mostrar que ‘pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro!”

Cartucho de bomba de gás recolhido. Foto: Rafael Nakamura / MNI

Após a primeira dispersão, os indígenas tentaram continuar em frente ao Congresso, porém foram atacados seguidamente por novas levas de bombas de gás lacrimogêneo. Com a suspeita de que algum indígena pudesse ter sido detido, diversos manifestantes permaneceram no local com seus cantos e rezas. Ao fim do ato nenhum indígena foi preso.

 

Fonte: APIB

Vice assume governo de Roraima e exonera secretário do Índio: ‘teria de ser fuzilado’

Paulo César Quartiero (DEM) ficará no cargo por uma semana. Ele também defende que população não dê apoio a venezuelanos.

O vice-governador de Roraima Paulo César Quartiero (DEM) assumiu o comando do Executivo nesta segunda-feira (17) e exonerou o titular da Secretaria do Índio, Dilson Ingarikó.

O motivo, segundo Quatiero, se deu em razão de Ingaricó defender novas demarcações de áreas indígenas no estado. A exoneração ocorre a um dia do ‘Dia do Índio’, celebrado nesta quarta (19).

“Se fosse em situação de guerra, ele teria de ser fuzilado, na realidade. Mas como temos democracia, ele foi demitido”, enfatizou o governador em exercício, justificando que o secretário “apoiou e apoia novas áreas indígenas em Roraima” e que essa posição seria contra os interesses de desenvolvimento de Roraima.

As declarações polêmicas foram dadas em coletiva de imprensa no Palácio Senador Hélio Campos, local onde Quartiero irá governar o estado por uma semana, enquanto a governadora Suely Campos (PP) se mantém afastada. Ela anunciou licença do cargo na noite de domingo (16) por meio de uma publicação no Facebook. O motivo da ausência não foi informado.

O governador em exercício disse que pretende nomear Silvestre Leocádio para assumir a pasta, entretanto, ele estaria incomunicável no interior, o que tem dificultado que o convite seja feito a ele.

“Acionamos nosso ‘serviço de procura emergencial’ pois ele está sumido nas comunidades em Alto Alegre, mas vamos localizar ele e trazer aqui em ‘carne e osso’ para assumir a secretaria”, pontuou.

Quartiero é contrário a delimitações de terras indígenas em Roraima desde que ocorreu a demarcação contínua da reserva indígena da Raposa Serra do Sol. Em 2008 ele foi retirado da área. Na época, o governador em exercício era dono de áreas produtoras de arroz.

Por telefone, Ingaricó disse ao G1 ter se surpreendido com a exoneração. Ele disse ainda que o adjunto da pasta também foi tirado do cargo.

“Eu defendo o estado e os direitos dos indígenas. Em nenhum momento o estado brasileiro diz que não pode ter demarcação indígena. Pelo contrário, o estado tem que cumprir com a Constituição Federal no que diz respeito a demarcação e fiscalização das terras indígenas”, afirmou.

Quartiero defende que população em Pacaraima não ajude venezuelanos

Embora fique pouco tempo à frente do governo, Quartiero disse ter pedido que a Polícia Militar reforce a segurança na fronteira. A ideia, segundo ele, é evitar que mais venezuelanos entrem no estado através do município de Pacaraima, cidade brasileira que faz fronteira com o país vizinho.

“A nossa prioridade é Roraima, o habitante de Roraima. Esse que paga nosso salário. Nós temos que atender ele. A questão humanitária tem a ONU, tem nações ricas que podem ajudar. Nós estamos no limite. Estive com as forças de segurança, eles falaram da dificuldade de frear essa vinda. Acho que a população tinha que se conscientizar e parar de dar alimentos, apoio, porque isso aí vai nos levar a desgraça. Quanto mais dá, mais vai vir gente e nós vamos chegar ao limite de ficar pior que eles”, disse.

Rompimento com o governo

Em abril de 2015 Quartiero se declarou insatisfeito com o governo e anunciou que estava deixando a base aliada. Ele disse que o relacionamento não deve afetar as decisões dele em relação ao estado.

“Estou aqui, logicamente, de maneira efêmera, querendo colaborar. Não queremos criar problema. Queremos que a governadora seja a melhor do mundo e estamos procurando fazer o melhor possível para que esse estado tenha melhora, autoridade”, concluiu.

 

Fonte: G1

Uma ano em Standing Rock

Jasilyn Charger foi uma das primeiras pessoas a acampar na Terra Indígena Sioux de Standing Rock em abril de 2016. Junto com outros jovens das tribos vizinhas, aos 19 anos ajudou ampliar o conhecimento sobre os riscos decorrentes da construção do Óleoduto da DAP com 2000 milhas da Dakota do Norte até Washington. No momento em que o grupo retornou a Staning Rock, a população do acampamento tinha chegado aos milhares.

Um ano depois, ela reflete sobre as manifestações e como o movimento mudou o curso de sua vida.

Fonte: revealnews.org

Decreto coloca em risco terras indígenas já demarcadas e inviabiliza 80% dos processos de demarcação

Um novo decreto do ministério da justiça coloca em risco mesmo as terras indígenas já demarcadas e reconhecidas por governos anteriores. Permite que estas terras sejam contestadas por “interessados”, incorporando as teses de interesse de fazendeiros e as exigências contidas na PEC 215.

Este decreto evidentemente elaborado para garantir os interesses dos ruralistas, representa na prática a revogação do decreto 1.775 que há 20 anos regula o tema. Se for colocado em operação irá inviabilizar mais de 80% das terras indígenas no país, cerca de 600 territórios em processo de demarcação reivindicados pelos índios.
A minuta adota a tese do “marco temporal”, em que somente indígenas que estavam na terra ou a disputavam judicialmente em outubro de 1988, podem ter direito a ela. Os índios que foram expulsos de suas terras e não as retomaram em 1988, mesmo que por meios violentos, perdem o direito de reivindicá-la.

Também processos de demarcação que estão em andamento terão que incorporar “as diretrizes” do documento. Esta prevista abertura de prazo de 90 dias para que “interessados” se manifestem sobre processos que já estejam homologados pela Presidência, mas sem registro em cartório, última etapa do processo de demarcação.

Na prática o que vemos são uma vez mais as elites brancas, alterando as leis para eliminar direitos históricos, fruto da luta das gerações passadas, implementando políticas de genocídio para garantir seus privilégios as custas do futuro das populações indígenas.

Rodear de Solidariedade as iniciativas de comunicação popular indígena!

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Rodear de Solidariedade as iniciativas de comunicação popular indígena!

Em Rio das Cobras, em Araça-í e em qualquer outro território de luta popular!

Em Junho de 2016, no Colégio Rural Indígena Rio das Cobras, em Nova Laranjeiras, na região Centro do Paraná, aconteceu o terceiro ciclo de formação sobre comunicação popular e luta indígena, organizado principalmente pelos(as) estudantes e a comunidade. Ciclo esse que faz parte de um trabalho maior iniciado em novembro de 2015, fruto do contato e articulação entre estudantes kai ngangs, comunicadores populares e militantes anarquistas.

Após os últimos ciclos, onde discutimos principalmente o levante zapatista e o movimento de rádios populares e livres na América Latina e no Brasil, neste encontro compartilhamos argumentos e motivos que nos levaram a instalação de uma rádio popular indígena. Entre vários argumentos, o principal que destacamos é a ausência de meios de comunicação onde pode-se utilizar a nossa língua materna, seja o Kaingang, seja o Guarani e a necessidade de um instrumento de luta e organização dos povos originários dessa terra em defesa de seus direitos sociais.

“Se a escola é o lugar do saber kaingang, então aqui queremos construir nossa rádio em nossa língua”, destaca uma das educandas do CREI Rio das Cobras.

Nesta semana de outubro, na Escola Estadual Indígena Mbya Arandu, em Piraquara, região metropolitana de Curitiba, aconteceu a segunda oficina sobre comunicação e rádio, também organizado pelos(as) estudantes, professores e a comunidade guarani aracaí.

Com o acúmulo já debatido com companheiros da Rádio Livre Xibé (de Tefé-AM) e da AMARC Equador, onde tivemos certeza que dar visibilidade a cultura e arte indígena é fundamental para criar e enraizar a resistência, instalamos e demos início a Rádio Araça-í FM, 105,7FM. Com a programação da transmissão inicial destacamos: O contexto do sucateamento do ensino publico e da rebeldia social nas ocupações de escolas no Paraná; Denunciamos a ausência da demarcação das terras indígenas, e por fim, gritamos BASTA ao genocídio do povo indígena!

É somente com muita solidariedade que a nossa resistência cria forças para o poder popular!

Viva a Rádio de Rio das Cobras! Somos todos dessa terra!

Viva a Rádio Araça-i FM!

Ocupar o Espectro! Ocupar as Escolas! Ocupar e Resistir!

Coletivo de Articulação de Rádios e Comunicação Popular Indígena

Coletivo Rádio Gralha

Coletivo Anarquista Luta de Classe (CALC)/CAB

Fonte: RadioLivre.Org

Mobilização nacional indígena movimenta 16 estados

Mobilização nacional de 81 etnias ocupa prédios e rodovias em dezenas de estados do país. Defesa de direitos, da Funai e contra o assassinato de indígenas foram alguns dos temas que marcaram os protestos.

Foto: Tuane Fernandes / Mídia Ninja

“Essa CPI quer tomar nossas terras e nossos territórios, não somente criminalizar a Funai, e isso tem aumentado muito a violência contra nós, povos indígenas, e nós não podemos deixar que essa CPI seja maior que nossa força e nossos direitos. Vamos lutar contra essa CPI, direitos não se negociam, direitos devem ser respeitados“, disse Sonia Guajajara, líder indígena, em entrevista coletiva na Câmara dos Deputados, após cerca de 25 prédios da Funai serem ocupados simultaneamente em todo o Brasil.

Apenas no último mês, foram registrados dois ataques de grupos armados contra a tribo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. No último dia 14 de junho, quatro pessoas ficaram gravemente feridas e uma faleceu vítima de fazendeiros. Antes de ontem (11) outros três foram baleados e também morreram.

A revolta dos povos tradicionais se dá em um grave momento de ataque à sua população, ao principal órgão indigenista do país, a Funai (Fundação Nacional do Índio) e ao instituto responsável por demarcações de terras, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A CPI da Funai é um mecanismo para suprimir terras indígenas e dar ainda mais terra para fazendeiros.

“Estabeleceram-se processos administrativos de titulação de terras para quilombos subjetivos e até fraudulentos, onde a simples opinião de um antropólogo se sobrepõe a tudo e a todos e a registros públicos seculares, onde os direitos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa dos atingidos, inclusive dos entes federados, não são respeitados. O resultado é o que se conhece: reservas imensas, sem qualquer justificativa, atritos entre os próprios grupos indígenas e expulsão de agricultores de suas propriedades“, diz um trecho do documento de abertura da CPI da Funai/Incra.

No contexto de repetidos assassinatos de indígenas em todo o paí, dizer que agricultores são expulsos de suas propriedades e reservas não possuem justificativa de existir é, no mínimo, uma posição extremamente voltada ao agronegócio e à exploração da terra em detrimento da fauna, flora e dos povos tradicionais. Dessa forma, fica evidente ao que se propõe essa Comissão.

#OcupaFunai

Confira em quais cidades os prédios da fundação indigenista foram ocupados:

Brasília/DF – Lábrea/AM – Manaus/AM – Tucumã/PA – Canarana/MT – Juína/MT – Campo Grande/MS – Guaíra /PR – Itanhaém/SP – Rio de Janeiro/RJ – Governador Valadares/MG – Passo Fundo/RS – Imperatriz/MA – Florianópolis/SC – Rio Branco/AC – Goiânia/GO – Fortaleza/CE – Oiapóque/APPauini/AM – Curitiba/PR – Marabá/PA – Aripuanã/MT – Santarém/PA – São José/SC

Fonte: Mídia NINJA

Sem presença da Funai, índios assumem proteção das terras

Por Ciro Barros / Iuri Barcelos (Agência Pública)

Ações de fiscalização caíram quase 60% de 2011 a 2014; povos que assumiram a tarefa por conta própria sofrem com ataques de madeireiros e invasões garimpeiras

Guajajara assassinados

Cansados de esperar por fiscalizações mais frequentes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ibama e da Polícia Federal, o povo Guajajara da terra indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, resolveu reagir. “A gente resolveu formar uma comissão de lideranças e caciques. Essa comissão achou melhor que a gente tivesse os nossos próprios guardiões da terra, pra gente mesmo defender o nosso território”, conta Suluene Guajajara, uma das lideranças do povo. Esses guardiões Guajajara receberam das lideranças uma missão: percorrer todos os 413.000 hectares do território em busca dos invasores atraídos pelas riquezas naturais, sobretudo a madeira.

Ao protegerem a própria área, os indígenas buscam garantir seu direito de usufruto exclusivo dela, como determina a Constituição. Antes de saírem para a guarda, os índios comunicam à Funai e, ao flagrarem qualquer invasor, o cercam e avisam às autoridades. O risco, porém, os acompanha a cada passo da ronda.

“Os guardiões sofrem muita ameaça. Eles não podem mais fazer compras na cidade, por exemplo. As pessoas que lucram com a exploração das nossas terras ficam falando que vão queimar, vão cortar o corpo dos guardiões. Eles até colocam preço na cabeça dos guardiões: quem matar um leva dez mil reais, 15 mil reais”, diz. A voz de Suluene estremece, os olhos enchem d’água. “A gente vive com muito medo.”

As ameaças de morte já se concretizaram. Só neste primeiro semestre de 2016, quatro Guajajara (Aponuyre, Genésio, Isaías e Assis) foram violentamente assassinados no período de um mês, dois deles a pauladas, e um deles, Aponuyre, tinha apenas 16 anos.

Outro índio assassinado, Assis Guajajara, era um guardião. “Infelizmente isso não é novidade, a gente se acostumou a viver com medo. Em 2007, os madeireiros já tinham matado outro indígena, um senhor da aldeia Lagoa Comprida. E eles nunca pararam de nos ameaçar”, conta. “A Funai vai lá na terra uma vez, faz uma ação, coíbe alguns madeireiros, mas é só a Funai sair que eles voltam. A gente fica oito, dez dias protegidos, mas a Funai vai embora. Os próprios funcionários são ameaçados na estrada pelos madeireiros. E parece que eles são avisados: quando a operação da Funai chega, eles saem e não estão mais lá”, desabafa Suluene.

Queda livre nas fiscalizações

A morte dos Guajajara vem na esteira de um cenário preocupante para os povos indígenas brasileiros: a queda livre nas ações de fiscalização em terras indígenas pela Funai. Segundo o último relatório de gestão do órgão indigenista, em 2011 foram 227 ações de fiscalização e, em 2014, o número caiu para 92 ações, queda vertiginosa de 59%. O relatório aponta uma razão para a redução das ações de fiscalização: a insuficiência de recursos orçamentários, fato que “limita o desempenho das ações da Diretoria de Proteção Territorial no cumprimento de suas atribuições legais, principalmente para a implementação de ações de monitoramento territorial, que têm tido uma expressiva redução nos últimos anos”.

Levantamento realizado pela Pública indica que a redução das ações de fiscalização se encaixam em um quadro mais amplo da dinâmica orçamentária da Funai. Embora o orçamento geral do órgão tenha apresentado leve crescimento nos últimos dez anos, houve uma forte redução da verba destinada às atividades de fiscalização da Funai, que tem a responsabilidade de zelar por uma área indígena equivalente a 13% do território nacional. Em 2015, por exemplo, o que se gastou com fiscalização representa menos da metade do que se gastava há dez anos.

Suluene avalia que a Funai padece de apoio do Estado brasileiro. “A gente que é do movimento indígena sabe que o governo não vem dando condições para que a Funai faça o seu trabalho direito. A Funai não tem funcionários pra conseguir fiscalizar nada. E isso é pelas pressões políticas que eles vêm sofrendo. Mas, enquanto isso acontece, os povos indígenas correm muito risco”, diz a líder Guajajara.

No ano passado, após dois meses seguidos, um incêndio tratado pelos Guajajara como criminoso consumiu mais da metade (53,2%) da TI Arariboia. Os madeireiros são apontados como os principais responsáveis pelo início das queimadas na região. “Nossa caça fugiu ou morreu, e a gente não tem mais como viver de acordo com a nossa cultura”, lamenta Suluene.

Com o incidente, a saúde alimentar e a sustentabilidade dos Guajajara deixou a comunidade em situação delicada. “A terra não consegue mais nos alimentar. E uma das formas que mais ameaça a gente é a alimentação”, diz. Segundo ela, frango da granja, biscoito e refrigerante passaram a ser consumidos pela comunidade. “Agora temos casos de diabetes, hipertensão, câncer. Antes a gente tinha doença espiritual, mas o nosso pajé curava. Só que o nosso pajé não cura um câncer, não cura diabetes”, diz.

Reestruturação pela metade?

A situação relatada pelos índios com a pouca fiscalização do órgão indigenista é um dos nós que colocaram a Funai na berlinda em vários momentos de sua história. Na gestão de Márcio Meira (2007-2012), uma mudança estrutural por meio de dois decretos (7056/2009 e 7778/2012) dividiu opiniões dentro e fora do órgão. “A ideia dos decretos de reestruturação foi um grande esforço de adequar a Funai à Constituição de 1988 e garantir a autonomia indígena”, afirmou Meira.

A mudança na Funai foi recebida à época com ressalvas (e protestos) pelos povos indígenas, movimentos sociais, funcionários e até por ex-presidentes do órgão, sobretudo pela diminuição do número das antigas Administrações Executivas Regionais em comparação às CRs criadas na reestruturação.

A retirada dos postos indígenas das aldeias é criticada pelo ex-presidente da Funai Mércio Gomes (2003-2007). “[A reestruturação] foi péssima porque retirou os postos das terras indígenas. Hoje todo mundo está nas terras indígenas, menos a Funai. Tirar os postos indígenas foi algo completamente absurdo”, critica. “No Mato Grosso, por exemplo, você tem várias Coordenações Técnicas Locais próximas às terras dos Xavante, mas ninguém dentro das terras para coibir os conflitos que ocorrem lá. Essa reestruturação esvaziou a Funai”, avalia.

Meira defende a medida tomada por sua gestão. Ele explica que a reestruturação começou em 2007, com base em um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e com estudos da própria Funai. “Nós elaboramos uma reforma processual que, lamentavelmente, não pode ser continuada nas gestões posteriores”, avalia.

Para ele, os concursos públicos contínuos eram um passo fundamental na reformulação proposta. “Havia a expectativa de que o Ministério do Planejamento desse continuidade aos concursos a cada ano, o que não aconteceu”, reclama.

O sócio-fundador do Instituto Socioambiental Márcio Santilli, que já presidiu a Funai (1995-1996) na gestão de Fernando Henrique Cardoso, vê “vários méritos” na reestruturação de Meira, mas pondera que os concursos públicos perderam efetividade. “A Funai tem uma enorme dificuldade de basear pessoal nas pontas, especialmente no caso das terras indígenas que, muitas vezes, são áreas remotas”, avalia.

Gustavo Vieira, servidor da Funai e membro do Movimento de Apoio aos Povos Indígenas (Mapi), avalia que a reestruturação do órgão deu novo perfil ao funcionário da Funai, que passou a ser mais “articulador de políticas locais” e menos um agente que “atende demandas diretas do índios”. “O chefe de posto tinha mais ou menos essa função, ou seja, seria uma espécie de ‘cacique branco’, que se relacionava com os índios de uma forma meio assistencialista”, opina.

A despeito das críticas, Vieira vê uma institucionalidade maior do órgão com a reestruturação. “A retirada dos postos avançados de dentro das aldeias e a criação das CTLs nas cidades deram uma articulação melhor dos funcionários da Funai com as prefeituras, com as secretarias municipais e estaduais.”

Lado indígena

Sônia Guajajara, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), é assertiva sobre a questão: “A reestruturação está só no papel e a Funai só tem se distanciado dos conflitos das terras indígenas”.

Telma Marques, da terra indígena Araçá e membro do Conselho Indígena de Roraima, considera que a Funai passou pela reestruturação para definir várias situações, mas que “falta muita coisa para que haja uma atuação direta com os povos indígenas”.

Segundo ela, a fiscalização é um dos grandes problemas. “Todas as ações dentro das terras ainda são pequenas. Há um contingente mínimo de pessoas para fazer as ações, o que acaba inviabilizando o trabalho da Funai.”

Segundo o último relatório de gestão do órgão, os cortes nas atividades de proteção territorial foram de 50% entre 2008 e 2014. O Governo ainda não regulamentou o poder de polícia da Funai, algo previsto na lei que criou o órgão em 1967. “Hoje não está muito claro o papel da Funai. A gente está vendo que a Funai está sem braço para garantir a segurança dos povos indígenas. Mas enquanto isso a gente é que está sofrendo na pele”, conclui Rosimeire Maria Vieira Teles, do povo indígena Arapaso, da TI Alto Rio Negro.

Para além do debate sobre a reestruturação da Funai e a autonomia indígena, a violência contra esses povos é uma realidade crescente. As pressões a que os povos indígenas estão submetidos são as mais diversas: vão de ameaças de narcotraficantes às de madeireiros, passando pelo garimpo ilegal, a pecuária extensiva e megaempreendimentos públicos e privados (hidrelétricas, estradas, barragens de mineração etc.).

Este vídeo faz parte do especial Amazônia em Disputa. Leia o restante do material aqui.

Programa de proteção já acolheu 133 indígenas

Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (arquivo 1 e 2) mostram que 38 indígenas estão incluídos atualmente no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, mantido pelo governo federal. Outros 43 passam por uma triagem e 15 estão em análise. Ao todo, 133 índios foram acolhidos pelo programa entre 2009-2016.

A situação de insegurança corrobora os relatórios sobre violência contra os povos indígenas elaborado desde 2003 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Somente em 2014, ano do último levantamento, 138 indígenas foram assassinados no país, número mais alto da história do relatório. A média anual é de 68 assassinatos.

Fonte: El País

O Estado contra o povo Pataxó

Por Renato Santana, Cimi

A fumaça branca encobre o Monte Pascoal, na Bahia. Cabral não veria a fisionomia atlântica do monte, fosse hoje. Algo queima, aos montes, nas proximidades da aldeia Alegria Nova. “São os fazendeiros transformando a floresta em pasto. Vamos ver de cima”, diz o cacique Mandy Pataxó, antes de ajeitar a escada no rumo de uma caixa d’água vazia, uns sete metros acima, posta num tablado de madeira rústica.

Do alto se vê as cercas separando o Parque Nacional do Descobrimento (PND), área de conservação ambiental, de uma fazenda, onde um pedaço de Mata Atlântica queima num incêndio contido – a não ser pela fumaça desgarrada. O parque e a fazenda se sobrepõem à Terra Indígena (TI) Comexatiba, do povo Pataxó, identificada em 2015 pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O Monte Pascoal se encontra nos limites da Terra Indígena Barra Velha, também Pataxó.

Embora o governo federal tenha reconhecido como tradicional a terra Comexatiba, antiga Cahy-Pequi, um órgão do próprio governo tem criado impedimentos à permanência dos indígenas na terra, além de fazendeiros e grupos interessados na exploração das áreas para a construção de resorts. O Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio), administrador do Parque Nacional do Descobrimento, tem entrado com sucessivos pedidos de reintegrações de posse contra os Pataxó de Comexatiba.

Em julho do ano passado, o ICMBio ingressou com duas ações de reintegração. Os procuradores do Instituto, vinculados à Advocacia-Geral da União (AGU), alegavam que a Funai não teria publicado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação do território Pataxó.

A Justiça Federal concedeu as liminares para o despejo sob o argumento de que o órgão indigenista havia pactuado o relatório para dois anos antes. Se o relatório fosse publicado, as liminares seriam suspensas. No dia marcado para as ações de despejo, o Ministério da Justiça publicou o relatório e os Pataxó respiraram aliviados – por pouco tempo.

“O que a gente imaginava é que, finalmente, a Funai tinha cumprido com o acordo e o ICMBio e o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que também solicitou reintegrações por ter lotes da reforma agrária em nossas terras, não mais nos incomodariam. Que se podia fazer uma gestão envolvendo os Pataxó e o ICMBio, mas não querem conversar com a gente e tentam nos tirar pra viver em Prado, em Cumuruxatiba, como mendigos”, explica Candara Pataxó.

O ICMBio entrou com outras três reintegrações, apenas neste ano. A alegação é de que os Pataxó estariam devastando a porção de Mata Atlântica preservada pelo Parque Nacional do Descobrimento. No entanto, além das queimadas constantes nas fazendas do entorno, é possível constatar outras propriedades utilizando agrotóxicos nos cultivos a poucos metros da fronteira do parque. Há ainda os caçadores, que constantemente circulam no interior da floresta. “O resultado vemos aqui: rios estão secando, nascentes assoreadas, o ciclo da natureza afetado”, diz Zezinho Pataxó.

A TI Comexatiba é uma das 64 áreas de sobreposição, de acordo com levantamento conjunto realizado pela Funai e o ICMBio. No entanto, o presidente do ICMBio, Cláudio Maretti, argumenta que a terra dos Pataxó ainda não está homologada, logo, não pode ser considerada indígena. Justamente por isso Maretti defende as reintegrações de posse, afirmando que o ICMBio vem tentando a retirada pacífica dos Pataxó até a conclusão da demarcação.

Em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA), o professor de direito ambiental Carlos Marés, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), diz que o ICMBio está equivocado. Ele esclarece que, para ser considerada indígena, segundo a Constituição de 1988, a terra não precisa do decreto de homologação. “É um direito que vem da origem. Portanto, a demarcação, ou o reconhecimento público, é apenas o reconhecimento de um direito preexistente”, explica. “A não ser que o Estado diga que os índios não existem e, portanto, não têm território”, disse o professor.

Traindo acordos

Aruã Pataxó, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat) e cacique da aldeia Coroa Vermelha, explica que a mesma situação de conflito com o órgão governamental repete-se na Terra Indígena Barra Velha. Esta outra área Pataxó, em cujo território incide o Parque Nacional Monte Pascoal, passa por um processo de revisão de seus limites. Por isso, no final do mês de fevereiro, entre as diversas atividades em Brasília, os Pataxó participaram de uma reunião no Ministério do Meio Ambiente, onde tentaram a abertura de um diálogo com o governo para a solução do conflito.

“As conversas ocorrem há algum tempo já. O ICMBio não pode alegar que se trata de uma decisão da Justiça e nada pode se fazer quanto a isso. A gente percebe o ICMBio traindo acordos, sem querer avançar no diálogo”, afirma Aruã.

“Olha, eu vim pra essas terras bem antes dessa história de parque, ICM não sei o quê. Expulsaram os mais antigos, e depois voltamos tudo pra cá. Essa aldeia [Alegria Nova] ficava mais pras brenhas da mata. Tá tudo as marca lá pra quem quiser ver. Aqui, nesse pedaço que refez a aldeia que tamo tudo agora, a gente vinha pegar fruta, nossa medicina”, diz dona Amora Pataxó.

No alto dos 64 anos, dona Amora se mostra estafada com as tensões provocadas pelas reintegrações de posse; uma tremedeira agarrada nas mãos negras e calejadas, o coração fraco de tanto bater forte. “Uma filha minha se pegou numa depressão que… só por Deus… ela sai andando por aí. Os meu menino vão atrás dela. Me deixa aqui um neto que não sabe da mãe”, explica dona Amora.

A Pataxó, porém, não sairá de Comexatiba. “Prefiro morrer aqui do que ir pra cidade pedir esmola, viver jogada feito cão sem dono. Meus menino tudo tão entregue pra essa luta”, declara. O depoimento de dona Amora se respalda em sua própria história, naquilo que os antigos lhe passaram e hoje ela conta aos mais jovens.

Duas sobreposições à terra indígena

Em 1820 o príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied chegou ao extremo sul da Bahia e registrou, em fartos relatos, a presença do povo Pataxó entre o litoral e o interior da Mata Atlântica. Segundo esse etnólogo alemão, eles viviam “atrevidos e valentes”, sem “domicílio certo, andam errantes, vivendo da pesca, caça e furtos” (Revista Trimensal de História e Geographia, 1846, p. 442).

Com base nos relatos do príncipe naturalista, a professora e pesquisadora Maria Giovanda Batista demonstra que a redução da Mata Atlântica na região ocorreu conforme os Pataxó, e demais povos indígenas, foram expulsos de suas terras.

Para a professora, que coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas Interculturais e da Temática Indígena da Universidade do Estado da Bahia, em Teixeira de Freitas, “tornou-se possível demonstrar que entre 1951 e o ano 2000 a Mata Atlântica na região caiu de 95% intacta para menos de 3%”. Maria Giovanda complementa: “Em 1951, um grande incêndio (de origem criminosa) expulsou os indígenas (que se dispersaram para outros pontos da mata). Em 1951, a população não indígena era de 23 mil habitantes, espalhados em sete municípios. Isso até 1958.”

A partir dos anos 1960 e até o ano 2000 o crescimento da região é vertiginoso: surgem 21 municípios e a população salta para cerca de 1 milhão de habitantes. Dos 3 milhões de hectares que compõem a região hoje, 2 milhões “estão dominados por meia dúzia de empresas. O eucalipto toma conta de 800 mil hectares e o restante da área é formado por fazendas de gado e, mais ao sul, pela plantação de cana-de-açúcar”.

Pode-se concluir que, além de pelo menos uma dezena de outros povos indígenas, os Pataxó sempre estiveram presentes nas áreas que reivindicam como tradicionais, desde a chegada dos colonizadores. O que também permite perceber que sempre resistiram.

A década de 1970 é repleta de histórias de massacres de famílias que se negavam a sair das margens do Rio Cahy, cuja foz, no Oceano Atlântico, foi o provável cenário do desembarque dos primeiros europeus no Brasil, em 1.500. A indústria madeireira Bralanda é responsabilizada pelo assassinato de famílias inteiras, caso de um grupo que se autodenominava Guató, segundo Zezinho Pataxó. “Eram uns cinco ou seis. Tudo índio. Eu era garoto e lembro que chegava uns cabas da Bralanda e mandava sair. Esses Guató se negaram e foram mortos. Era assim com todo mundo que se negava a sair”, relembra Zezinho.

Dessa forma a Bralanda antecedeu o Parque Nacional do Descobrimento na sobreposição ao território Pataxó. Deve-se também a essa indústria a devastação da Mata Atlântica na região, o que motivou a criação de áreas de preservação ambiental e novas sobreposições, por órgãos estatais ambientalistas. A professora Maria Giovanda ressalta que “o PND foi criado sobrepondo uma outra sobreposição, a antiga Bralanda. Então, o ICMBio tem colocado uma pá de cal sobre uma injustiça com dezenas de famílias que tiveram seus membros assassinados, a partir de 1970, com a Bralanda e outras empresas que começam a expulsar essas famílias na base da violência”.

A família de Bernarda Machado Neves vivia ao sul da margem sul do Rio Cahy, até a expulsão. O cacique Timborana, da aldeia Cahy, ainda era um menino de dez anos. “O fogo era ateado ao sul do Rio Cahy e, ao norte, os Pataxó se refugiaram. O clã de dona Zabelê e seu Manoel, por exemplo, foi recebido pelos indígenas que viviam nessa porção norte”, explica a professora. Jovita Oliveira Pataxó lembra que eles andavam nus em Cumuruxatiba, cidade em que ela vive ao lado dos filhos. “Se pensar bem, isso aqui era tudo dos Pataxó. Foram chegando, chegando [não indígenas, empresas]. Está aí essa luta hoje”, reflete Jovita.

Desde 2003, quando ocorreram as principais retomadas do território então chamado Cahy-Pequi, hoje Comexatiba, os Pataxó já plantaram mais de 20 mil árvores nativas, incluindo o pau-brasil. As roças são feitas ao redor das casas – sem devastar a mata. “Os Pataxó são os maiores especialistas de Mata Atlântica nessa região. Mantiveram-na e, com ela, sustentaram a alimentação, a base da microeconomia – entre a mata e o mar. Estamos gestando mal-entendidos sobre a história ao afirmar que a Mata Atlântica só pode ser preservada sem os Pataxó”, defende Maria Giovanda.

A professora cita ainda a vasta presença indígena na região, que não compreende apenas os Pataxó. Ela explica que 80% da população de Prado é nativa, oriunda de clãs ou famílias dispersas no percurso da história. Em Cumuruxatiba, por exemplo, “existem seis etnias diferentes; grupos, famílias pequenas. Identificamos tudo isso com estudos e pesquisas”, diz Maria Giovanda.

“O ICMBIO ignora, na sua base etnocêntrica, que, assim como na Amazônia, o etnoconhecimento dos indígenas sobre a natureza, desenvolvidos epistemicamente, os alçam a reconhecidos preservadores das florestas. Os Pataxó também demonstram isso”, aponta a professora. Ela explica que a cosmologia Pataxó está atrelada à Mata Atlântica: “Os nomes dos filhos são de pássaros deste bioma e, da mata, eles retiram suas indumentárias, além da alimentação, a mesa farta… não há possibilidade de sustentação do ecossistema Mata Atlântica sem a demarcação da terra Pataxó”, diz Maria Giovanda ao concluir: “Um ambiente não pode ser sustentável com a desterritorialização de 15 mil indígenas, cuja população de crianças chega a oito mil”.

Aldeia Cahy sob ataque

Em agosto de 2015, homens armados invadiram a aldeia Cahy, em Comexatiba, e queimaram uma maloca que continha artesanatos e objetos de uso tradicional e religioso. Em seguida, ocorreu uma série de ataques de pistoleiros e os indígenas chegaram ao ponto de esconder seus filhos em caixas d’água à noite, com medo dos tiros.

No início deste ano, no dia 19 de janeiro, uma ação de reintegração de posse ocorrida na mesma aldeia Cahy surpreendeu dezenas de famílias. Além do posto de saúde e da escola, várias casas foram destruídas, muitas delas com os pertences dos indígenas em seu interior.

Conforme o relato dos indígenas, aproximadamente cem policiais federais, militares e civis, acompanhados de agentes da Companhia Independente de Policiamento Especializado/Mata Atlântica (Caema), chegaram à aldeia às sete horas da manhã, anunciando a reintegração de posse. “Eles deram um prazo para a gente retirar as coisas das casas, mas o prazo não foi suficiente. Mesmo assim, eles tocaram as patrolas por cima, com as coisas dentro mesmo”, afirma Xawã Pataxó, liderança da aldeia Cahy.

“A reintegração aconteceu de surpresa, no dia em que a comunidade estava se organizando para a festa de São Sebastião. A escola estava sendo organizada para o início do ano letivo, e eles tiraram tudo de dentro e jogaram numa área quase um quilômetro longe da aldeia, de fogão a giz de cera. Agora estamos na rua, não sabemos para onde ir”, relata a liderança.

Na decisão proferida pelo juiz Guilherme Bacelar, da Justiça Federal de Teixeira de Freitas (BA), em favor de uma fazendeira da região, contudo, o relatório já publicado pela Funai não seria critério suficiente para impedir a reintegração de posse, e a situação de insegurança e vulnerabilidade em que os indígenas agora se encontram também não foi considerada um problema. “A gente tinha horta lá. É uma parte importante da nossa subsistência o plantio de mandioca, melancia, que a gente vende pro pessoal da cidade. Não sabemos como vamos fazer agora”, afirma a liderança Xawã Pataxó.

Em setembro de 2015, o mesmo juiz decidiu não conceder uma liminar requerida pelo Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública. Na ação, o MPF caracterizava o caso como de “grave omissão” do poder público, em função da insegurança física e jurídica decorrente da demora na demarcação, e solicitava que o juiz Guilherme Bacelar estabelecesse um prazo de 180 dias para o Ministério da Justiça publicar ou manifestar-se sobre a Portaria Declaratória da TI Comexatiba.

*Essa reportagem compõe a edição de janeiro/fevereiro do Jornal Porantim.