Category Archives: Golpe jurídico

‘Estavam atirando em nós como se fôssemos criminosos’

Ato com mais de três mil indígenas termina com repressão em frente ao Congresso

Na tarde desta terça-feira (25), mais de três mil indígenas que participam do 14º Acampamento Terra Livre tomaram as ruas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília.Depois de realizar uma espécie de grande marcha fúnebre, eles acabaram sendo reprimidos ao tentar depositar quase 200 caixões no espelho de água do Congresso. Os policiais utilizaram gás lacrimogênio e spray de pimenta contra os manifestantes. Havia mulheres, crianças e idosos no ato.

“Essa marcha simboliza o genocídio que o governo, junto ao parlamento e a Justiça, estão fazendo com os direitos dos povos indígenas. Queremos mostrar para o Brasil e o mundo o quanto a legislação indigenista brasileira está sendo atacada”, diz Kleber Karipuna, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Manifestante protege-se de ataque da polícia. Foto: Mídia Ninja / MNI

“A nossa principal pauta é pela demarcação das Terras Indígenas. É a primeira vez que se reúnem mais de três mil indígenas em Brasília nos últimos anos”, comenta Eunice Kerexu Guarani Mbya, da TI Morro dos Cavalos.

Saindo do acampamento, ao lado do Teatro Nacional Cláudio Santoro, a manifestação caminhou tranquilamente durante cerca de 40 minutos, quando chegou ao Congresso. A ação pacífica foi dispersada pelas polícias militar e legislativa.

Protesto foi pacífico até intervenção da polícia. Mídia Ninja / MNI

Angela Katxuyana, liderança indígena do norte do Pará, repudia a ação da polícia: “Cada dia a gente vem sofrendo, vem sendo massacrado, e quando a gente vem dialogar com o Estado, acontece isso. A violência contra os povos indígenas continua tanto no papel quanto aqui”, diz.

José Uirakitã, do povo Tingui Botó (AL), testemunhou a repressão, que se seguiu por mais de 1h, coletou artefatos utilizados pela polícia: “Eles estavam atirando como se fossemos criminosos”, revela.

De Pernambuco, Cida Atikum, uma das quase mil mulheres que participavam da ação, também se indignou: “Nós queremos o que é nosso por direito. Por isso que nós vamos mostrar que ‘pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não assanha o formigueiro!”

Cartucho de bomba de gás recolhido. Foto: Rafael Nakamura / MNI

Após a primeira dispersão, os indígenas tentaram continuar em frente ao Congresso, porém foram atacados seguidamente por novas levas de bombas de gás lacrimogêneo. Com a suspeita de que algum indígena pudesse ter sido detido, diversos manifestantes permaneceram no local com seus cantos e rezas. Ao fim do ato nenhum indígena foi preso.

 

Fonte: APIB

Vice assume governo de Roraima e exonera secretário do Índio: ‘teria de ser fuzilado’

Paulo César Quartiero (DEM) ficará no cargo por uma semana. Ele também defende que população não dê apoio a venezuelanos.

O vice-governador de Roraima Paulo César Quartiero (DEM) assumiu o comando do Executivo nesta segunda-feira (17) e exonerou o titular da Secretaria do Índio, Dilson Ingarikó.

O motivo, segundo Quatiero, se deu em razão de Ingaricó defender novas demarcações de áreas indígenas no estado. A exoneração ocorre a um dia do ‘Dia do Índio’, celebrado nesta quarta (19).

“Se fosse em situação de guerra, ele teria de ser fuzilado, na realidade. Mas como temos democracia, ele foi demitido”, enfatizou o governador em exercício, justificando que o secretário “apoiou e apoia novas áreas indígenas em Roraima” e que essa posição seria contra os interesses de desenvolvimento de Roraima.

As declarações polêmicas foram dadas em coletiva de imprensa no Palácio Senador Hélio Campos, local onde Quartiero irá governar o estado por uma semana, enquanto a governadora Suely Campos (PP) se mantém afastada. Ela anunciou licença do cargo na noite de domingo (16) por meio de uma publicação no Facebook. O motivo da ausência não foi informado.

O governador em exercício disse que pretende nomear Silvestre Leocádio para assumir a pasta, entretanto, ele estaria incomunicável no interior, o que tem dificultado que o convite seja feito a ele.

“Acionamos nosso ‘serviço de procura emergencial’ pois ele está sumido nas comunidades em Alto Alegre, mas vamos localizar ele e trazer aqui em ‘carne e osso’ para assumir a secretaria”, pontuou.

Quartiero é contrário a delimitações de terras indígenas em Roraima desde que ocorreu a demarcação contínua da reserva indígena da Raposa Serra do Sol. Em 2008 ele foi retirado da área. Na época, o governador em exercício era dono de áreas produtoras de arroz.

Por telefone, Ingaricó disse ao G1 ter se surpreendido com a exoneração. Ele disse ainda que o adjunto da pasta também foi tirado do cargo.

“Eu defendo o estado e os direitos dos indígenas. Em nenhum momento o estado brasileiro diz que não pode ter demarcação indígena. Pelo contrário, o estado tem que cumprir com a Constituição Federal no que diz respeito a demarcação e fiscalização das terras indígenas”, afirmou.

Quartiero defende que população em Pacaraima não ajude venezuelanos

Embora fique pouco tempo à frente do governo, Quartiero disse ter pedido que a Polícia Militar reforce a segurança na fronteira. A ideia, segundo ele, é evitar que mais venezuelanos entrem no estado através do município de Pacaraima, cidade brasileira que faz fronteira com o país vizinho.

“A nossa prioridade é Roraima, o habitante de Roraima. Esse que paga nosso salário. Nós temos que atender ele. A questão humanitária tem a ONU, tem nações ricas que podem ajudar. Nós estamos no limite. Estive com as forças de segurança, eles falaram da dificuldade de frear essa vinda. Acho que a população tinha que se conscientizar e parar de dar alimentos, apoio, porque isso aí vai nos levar a desgraça. Quanto mais dá, mais vai vir gente e nós vamos chegar ao limite de ficar pior que eles”, disse.

Rompimento com o governo

Em abril de 2015 Quartiero se declarou insatisfeito com o governo e anunciou que estava deixando a base aliada. Ele disse que o relacionamento não deve afetar as decisões dele em relação ao estado.

“Estou aqui, logicamente, de maneira efêmera, querendo colaborar. Não queremos criar problema. Queremos que a governadora seja a melhor do mundo e estamos procurando fazer o melhor possível para que esse estado tenha melhora, autoridade”, concluiu.

 

Fonte: G1

Em sete minutos, parlamentares aprovam mutilação de áreas protegidas no Pará

Presidente e relator da comissão que aprovou redução de proteção à floresta são alvo de inquéritos divulgados ontem da Operação Lava Jato

No final da manhã de hoje (12/4), numa sessão que durou sete minutos, parlamentares aprovaram o relatório do deputado José Reinaldo (PSB-MA) da Medida Provisória (MP) 758/2016, que reduz a proteção de 510 mil hectares de áreas protegidas, no oeste do Pará. O texto segue agora para o plenário da Câmara e, se lá for aprovado, para o Senado. A MP precisa ser apreciada até 29/5, ou perderá validade.

A sessão da comissão mista especial estava esvaziada, mas, por meio de uma manobra – que usou o quórum da sessão de ontem, quando o relatório foi lido – os poucos parlamentares presentes puderam votar por sua aprovação de forma simbólica, sem registro formal dos votos individuais. Estavam na sessão e votaram a favor da MP os deputados Zé Geraldo (PT-PA), Josué Bengtson (PTB-PA) e Joaquim Passarinho (PSD-PA) e o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) (veja vídeo abaixo da sessão).

O texto original da MP, enviado pelo governo ao Congresso no fim de 2016, ampliava o Parque Nacional (Parna) do Jamanxim em 50 mil hectares. O relatório lido ontem não apenas exclui essa ampliação como prevê a transformação de 101 mil hectares do Parna em Área de Proteção Ambiental (APA) e a transferênica de outros 70 mil hectares para a Floresta Nacional (Flona) do Trairão. Além disso, estabelece que 169 mil hectares da Flona de Itaituba II também sejam recategorizados como APA.

No final da votação de hoje, por um pedido de Flexa Ribeiro, foi aprovada uma emenda dos deputados Francisco Chapadinha (PTN-PA) e José Priante (PMDB-PA) para transformar em APA mais 172 mil hectares do Parna do Jamanxim (veja tabela abaixo).

A APA é uma Unidade de Conservação (UC) que permite em seu interior terras privadas, que podem ser regularizadas e vendidas. Na APA, o desmatamento é permitido, ao passo que em Parnas ele é proibido e nas Flonas só pode ser feito o corte seletivo da vegetação conforme plano de manejo. Portanto, podemos considerar que 510 mil hectares tiveram seu grau de proteção reduzido, sendo que, destes, 442 mil hectares podem vir a se tornar área privadas, englobadas em APAs.

O Parna do Jamanxim tem hoje quase 860 mil hectares. Se for aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Michel Temer a MP, só essa área perderá 344 mil hectares ou 40% de sua extensão total. A Flona de Itaituba II tem mais de 427 mil hectares e ela perderia também cerca de 40%.

Unidade de Conservação Antes da MP Texto do governo Relatório do CongresSo
Parque Nacional do Jamanxim (PA) 859,7 mil hectares Ganha 50 mil hectares Perde 344 mil hectares. Desse total, 273 mil podem se tornar áreas privadas em APAs. Outros 71 mil vão para Flona do Trairão, em área pública.
Floresta Nacional Itaituba II (PA) 427.366,56 hectares Não altera Retira 169 mil hectares para criação da Área de Proteção Ambiental do Trairão.

*Informações obtidas a partir do ICMBio, da proposta do governo e do relatório do deputado José Reinaldo (PSB/MA).

“Essa modificação [prevista na emenda aprovada na última hora], na verdade, estava incluída. Ela foi esquecida na redação do relatório e eu voltei a acatar. É uma área antropizada e não se vê sentido nenhum em não acatar a emenda”, defendeu Reinaldo, quando questionado sobre a inclusão da emenda aos 45 do segundo tempo.

Além da ocupação de agricultores, a construção da Ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, e a pavimentação da rodovia BR-163, que atravessam o Parna, estão sendo usadas como justificativa para a aprovação da MP. Na área transformada em Flona, a mudança pode beneficiar mineradoras. Parnas, diferente de Flonas, não permitem a mineração em seu interior.

Ontem, já havia sido aprovada outra MP, a 756/2016, que retirou 480 mil hectares da Flona do Jamanxim e outros 180 mil hectares da Reserva Biológica (Rebio) Nascentes da Serra do Cachimbo, na mesma região, além de 10 mil hectares, do Parna São Joaquim (SC), a milhares de quilômetros do Pará (saiba mais).

Portanto, no total, 1,1 milhão de hectares em áreas protegidas estão ameaçadas só no Pará. Se somarmos outro 1 milhão de hectares protegidos que parlamentares do Amazonas tentam retalhar no sul do Estado, falamos de quase 2,2 milhões de hectares protegidos sob risco, o equivalente ao território de Sergipe (leia mais).

(E-D) Deputado Zé Geraldo, senador Flexa Ribeiro, deputados Joaquim Passarinho e Josué Bengtson, que votaram a favor da MP

“A aprovação das duas medidas provisórias é um crime contra o Brasil. Todas essas agressões em conjunto terão efeito nocivo para a biodiversidade e o transporte de chuvas para o centro-sul do Brasil. Quem vai sofrer isso vão ser as pessoas nas cidades, os agricultores, a geração de energia, o país como um todo”, diz Ciro Campo, assessor do ISA. Ele ressalva que existem pessoas que estavam na área antes da criação do Parna do Jamanxim e merecem ter suas ocupações regularizadas, mas critica as MPs por elas beneficiarem também grileiros e ocupantes de má fé.

“Eu acho que foi um relatório feito muito às pressas, sob pressão de alguns proprietários que estão na região e que pretendem documentar suas propriedades”, opinou o deputado Zé Geraldo (PT-PA), vice presidente da comissão mista. Apesar da crítica, ele votou favoravelmente ao relatório.

“Minha posição pessoal é que não deveria ser resolvido por Medida Provisória. O governo faz maioria e passa o que quer”, disse o presidente do colegiado, senador Paulo Rocha (PT-PA). Mesmo assim, foi ele o responsável por conduzir uma sessão de votação em sete minutos, com o quórum esvaziado.

José Reinaldo e Paulo Rocha, relator e presidente da comissão, são alvo de inquéritos divulgados ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Édson Fachin em processos relacionados à Operação Lava Jato. O primeiro é suspeito de, na época em que era governador do Maranhão, ter sido conivente com propina paga pela empreiteira Odebrecht para o procurador-geral do estado. Paulo Rocha, por sua vez, é suspeito de solicitar verbas não contabilizadas para a campanha eleitoral de Helder Barbalho ao governo do Pará, em 2014.

Fonte: Instituto Socioambiental

Indígenas se mobilizam contra terceirização da Sesai

Secretaria Especial da Saúde Indígena é cobiçada por aliados de Michel Temer desde o ano passado. Mobilização de hoje reuniu lideranças de várias etnias e lotou o auditório do Ministério da Saúde. Novo gestor prometeu não extinguir serviços.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) promoveu a #OcupaSESAI nesta quarta-feira (22). A ação teve o objetivo de impedir retrocessos na Secretaria Especial da Saúde Indígena (Sesai), que pretende ser usada como moeda de troca por Michel Temer em negociações com políticos aliados. Ano passado tentaram extinguir a secretaria. Dessa vez, é a possibilidade de terceirização dos serviços prestados que mobilizou mais de 20 etnias indígenas no Ministério da Saúde. Cerca de 300 homens e mulheres lotaram o auditório do prédio.

De acordo com Takwyry Kayapo, presidente do Conselho de Saúde Indígena, o governo de Michel Temer não tem conversado com as lideranças indígenas nas tomadas de decisões, “apenas atendendo aos interesses das bancadas no congresso, como a bancada ruralista”, afirmou. Para ele, “a política de saúde indígena virou um balcão de negócios e não concordamos com esse modelo de gestão”, em referência à distribuição de cargos sem levar em conta características técnicas para exercício das atribuições previstas.

O novo titular da Sesai, Marco Antonio Troccolini participou da reunião no auditório e disse que a sua presença “atende a uma solicitação feita pelas lideranças indígenas e esta pretende ser uma das características da minha gestão”, ressaltando que mesmo ainda não tendo tomado posse, deseja manter um canal de diálogo com as várias etnias dependentes do trabalho da secretaria. Troccolini também prometeu “manter aquilo que está funcionando bem”, insinuando não interromper serviços tidos como fundamentais pelas populações.

Sonia Guajajara reiterou que “a sesai não é moeda de troca para acordos políticos. Vocês não podem deixar de considerar nossa opinião na secretaria. Não vamos aceitar negociatas políticas em detrimento da saúde Indígena”, pedindo para que interesses pessoais de deputados não interfira na condução das políticas públicas do setor.

Mesmo com as promessas do novo gestor, a articulação dos povos indígenas exigia uma reunião com o ministro e secretários da presidência, para reclamar das nomeações que “vêm direito da Casa Civil, sem serem negociadas com as nossas lideranças”, afirmou Takwyry Kayapo. Ao final da tarde, uma audiência na Casa Civil foi obtida pela Apib.

No ano passado, uma grande mobilização indígena em todo o Brasil conseguiu barrar o desmonte de algumas políticas públicas que estavam na mira do governo que se instalou no poder após o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Daquela vez, conseguiram impedir os retrocessos. A ação de hoje mostra que os povos originários continuam atentos aos seus direitos.

A Mídia NINJA acompanhou o ato de hoje com duas transmissões ao vivo. Confira nos links abaixo:

Entre o improviso e a maldade: a política (anti) indigenista do Governo Temer

Por Adriana Ramos

Na semana passada o Governo editou duas portarias alterando os procedimentos de demarcação de terras indígenas no país. A primeira, publicada na quarta-feira, dia 18 de janeiro, alterou a forma como as Terras Indígenas (TIs) são declaradas no Brasil. Assinada pelo ministro da Justiça e Cidadania Alexandre de Moraes, a Portaria nº 68 criava um Grupo Técnico Especializado para subsidiar o ministro quanto à demarcação de Terras Indígenas, com representantes da Funai, Consultoria Jurídica, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Além disso, trazia uma série de disposições para modificar o procedimento de demarcação, incorrendo em violações à Constituição Federal e ao Decreto nº 1.775/1996 que regulamenta esse processo. Diante da imediata reação das organizações indígenas e indigenistas, o Governo recuou.

terras indígenas

Na sexta-feira saiu a revogação da Portaria nº 68 e a publicação de uma nova, excluindo algumas das ilegalidades, mas mantendo a criação de um Grupo Técnico Especializado (GTE) para tratar de processos de demarcação de TIs, agora com atribuições que reprisam exatamente o que está disposto no Decreto nº 1.775/1996.

Não foi a primeira vez que o Governo se viu obrigado a voltar atrás sobre o tema. Logo que tomou posse, Temer sinalizou à Frente Parlamentar da Agropecuária que o Governo revisaria todas as portarias declaratórias e decretos de homologação de Terras Indígenas publicados ao final do Governo Dilma Rousseff.

No fim do ano passado, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma proposta de decreto que estaria sendo elaborada pelo Ministério da Justiça. Tal proposta alteraria o rito de demarcação de terras indígenas, restringindo drasticamente os direitos territoriais dos índios sobre suas terras, abrindo essas áreas a empreendimentos econômicos e permitindo até a revisão de processos de terras já homologados, entre outros pontos. Mais de 130 organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Greenpeace, Movimento Nacional de Direitos Humanos e Associação Brasileira de ONGs (Abong) repudiaram a proposta que, na prática, acabaria com as demarcações de Terras Indígenas.

Na ocasião, o ministro negou que houvesse a minuta ou qualquer intenção de alterar o procedimento de demarcação. A portaria veio logo depois, demonstrando que a intenção do ministério existia sim.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na quinta-feira (19), o presidente Michel Temer afirmou que a medida visava reduzir conflitos. É a visão equivocada de que o conflito está na garantia constitucional da demarcação das terras indígenas. Ao contrário, como bem lembrou o subprocurador-Geral da República, Luciano Mariz Maia, coordenador da 6ª Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (MPF), em entrevista ao ISA, “o objetivo não é assegurar certeza e segurança jurídica para as demarcações, mas assegurar que elas não se realizarão”.

O recuo do Governo não surpreende. As denúncias e reações negativas às decisões tomadas expuseram suas intenções espúrias e anticonstitucionais. Com maldade evidente, o Governo desmente, recua, mas deixa claro, pela falta de transparência, que sua motivação não é das melhores.

As nomeações para a Funai também foram precedidas dessa dinâmica. Em setembro de 2016 Temer afastou da presidência da Funai Artur Nobre Mendes, que ocupava o cargo interinamente desde a saída do ex-senador João Pedro Gonçalves, em junho. Em seu lugar foi nomeado, ainda como interino, um assessor especial do Ministério da Justiça, Agostinho do Nascimento Netto.

Desde junho de 2016 foi aventada a intenção de nomear um general para a presidência do órgão. Diante de questionamentos do movimento indígena pela inexistência de conhecimento ou experiência do indicado, o Governo recuou da nomeação do general Roberto Sebastião Peternelli Júnior, filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Surgiu então o nome do general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, assessor de Relações Institucionais do Comando Militar da Amazônia, em Manaus (AM). A Casa Civil determinou que a Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai – financiasse o deslocamento de índios para Brasília para pressionar o Ministério da Justiça a nomear os indicados do PSC para cargos de direção na Funai.

Como o movimento indígena manteve sua reação negativa à ideia de o órgão indigenista ser comandado por um militar, a solução dada pelo Governo foi nomear Franklimberg para a Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, e Antônio Fernandes Toninho Costa para presidente, ambos indicados pelo PSC.

De acordo com notícias publicadas na imprensa, a nomeação de Antônio Toninho Costa aconteceu logo após o presidente Temer cobrar do ministro Alexandre de Moraes uma solução para a questão da Funai. Temer foi informado que o órgão não tinha um presidente efetivo durante a reunião que discutiu a retomada do crescimento econômico, quando a demarcação de terras indígenas foi apontada como empecilho para a finalização de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

O pacote do PSC para a Funai é preocupante, visto que o partido está alinhado com a prioridade dada pela bancada ruralista no Congresso de desconstituir os direitos territoriais indígenas. Que ninguém se surpreenda: atuando de forma errática, o Governo Temer está contribuindo para a eclosão de incidentes graves nas situações locais de conflito, que esperam há anos por soluções das autoridades.

Fonte: El País

Manifesto Kayapó Mebengokré: Recuar Jamais

Na foto, guerreiros da aldeia Kedjerekrã prontos para a luta.
Foto: Simone Giovine

Nós, o povo Kayapó Mebengokré, articulados com o movimento indígena nacional, manifestamos nosso repúdio aos ataques deste governo aos nossos direitos. Entregar a Funai ao PSC e aos militares é ignorar nossas reivindicações para atender aos interesses de parlamentares e grupos econômicos que só querem tomar as nossas Terras e acabar com nossos direitos.

A eles, nosso recado: jamais recuaremos na defesa dos direitos conquistados. Estamos preparados para a guerra e unidos na defesa de nossas terras, famílias e cultura!

A luta continua até o último índio!

Decreto coloca em risco terras indígenas já demarcadas e inviabiliza 80% dos processos de demarcação

Um novo decreto do ministério da justiça coloca em risco mesmo as terras indígenas já demarcadas e reconhecidas por governos anteriores. Permite que estas terras sejam contestadas por “interessados”, incorporando as teses de interesse de fazendeiros e as exigências contidas na PEC 215.

Este decreto evidentemente elaborado para garantir os interesses dos ruralistas, representa na prática a revogação do decreto 1.775 que há 20 anos regula o tema. Se for colocado em operação irá inviabilizar mais de 80% das terras indígenas no país, cerca de 600 territórios em processo de demarcação reivindicados pelos índios.
A minuta adota a tese do “marco temporal”, em que somente indígenas que estavam na terra ou a disputavam judicialmente em outubro de 1988, podem ter direito a ela. Os índios que foram expulsos de suas terras e não as retomaram em 1988, mesmo que por meios violentos, perdem o direito de reivindicá-la.

Também processos de demarcação que estão em andamento terão que incorporar “as diretrizes” do documento. Esta prevista abertura de prazo de 90 dias para que “interessados” se manifestem sobre processos que já estejam homologados pela Presidência, mas sem registro em cartório, última etapa do processo de demarcação.

Na prática o que vemos são uma vez mais as elites brancas, alterando as leis para eliminar direitos históricos, fruto da luta das gerações passadas, implementando políticas de genocídio para garantir seus privilégios as custas do futuro das populações indígenas.

Nota de repúdio às declarações de Jair Bolsonaro em visita a Roraima

O Conselho Indígena de Roraima – CIR, organização indígena criada há mais de 40 anos para defender os direitos e interesses dos povos indígenas de Roraima veementemente repudia as declarações do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) no que diz respeito ao processo de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, bem como repudia as manifestações absurdas sobre a vivência dos povos indígenas locais, conforme vídeo publicado em sua rede social Facebook, na última quinta-feira, 17, durante a sua visita ao estado de Roraima.
Um vídeo gravado na sede da organização Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (SODIUR) é só mais um retrato da antiga reação contrária ao processo de demarcação das terras indígenas, em especial, a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, conquistada com luta e resistência pelos povos indígenas de Roraima e do Brasil. E essa conquista, é um fato irreversível, garantido como cláusula pétrea na Constituição Federal Brasileira de 1988, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e demais instâncias internacionais sobre o direito dos povos indígenas e direitos humanos.
A Terra Indígena Raposa Serra do Sol é um caso efetivado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, por meio do Decreto 15 de Abril de 2005, uma conquista dos povos originários, Macuxi, Wapichana, Patamona, Taurenpag e Ingaricó, que lutaram sempre de forma pacífica, sem responder aos inúmeros atos de violência, ameaças e destruições causadas pelos invasores que tentaram se apossar das terras indígenas. Então, essa proposta absurda do deputado de “desmarcar” a TI Raposa Serra do Sol, trata – se de mais uma manobra política de tentar causar instabilidade e insegurança as comunidades indígenas, assim como promover mais um ataque social, político e cultural aos povos indígenas locais.
Os invasores que estiveram por longos anos na Terra Indígena Raposa Serra do Sol e demais terras indígenas é fruto da histórica invasão e a tentativa de colonização do Brasil e em Roraima, não foi diferente. Mas os povos indígenas resistiram e graças, a essa luta e resistência, hoje, as comunidades indígenas estão livre desses invasores que em nome do agronegócio, capitalismo e do interesse próprio, ainda tentam de todas as formas, promover a insegurança quanto ao nosso direito já está garantido.
Em relação à proposta de construção da hidrelétrica na Cachoeira do Tamanduá na TI Raposa Serra do Sol (PDL 2540/2006), também é um fato já negado pela justiça, inclusive, pela Comissão de Constituição e Justiça Cidadania que, em março de 2015, deu parecer pela INCONSTITUCIONALIDADE da proposta de construção da hidrelétrica. Justamente, por não respeitar os procedimentos legais da Constituição Brasileira, principalmente, o direito de consulta às comunidades indígenas.
Por outro lado, os povos indígenas da Raposa Serra do Sol sabem do potencial energético existente na região. A prova disso é o Projeto Cruviana, uma parceria entre esta organização indígena, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) que atendeu e vem atendendo todas as formas legais da Constituição, principalmente, o direito de consulta às comunidades indígenas. Um projeto que serve de exemplo, não só aos povos indígenas de Roraima, mas do Brasil que veem no projeto Curviana, uma forma saudável de gerar energia e de atender a população, sem agredir e nem destruir o meio ambiente, nem destruir o futuro das novas gerações.
Quanto às declarações dos membros da SODIUR, uma organização indígena criada por influências do Governo e políticos locais, sempre tratou a questão indígena com resistência e jamais admitiu a constitucionalidade do processo de demarcação em área contínua a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Por isso, não nos impressiona, a recepção feita ao deputado Jair Bolsonaro, bem como as colocações feitas a respeito do processo de demarcação, a vivência das comunidades indígenas, assim como a atuação desta organização indígena.
O CIR, organização indígena criada de forma legítima, transparente e de renome local, regional, nacional e internacional, nos últimos anos têm desenvolvido projetos voltados ao desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas, fortalecendo o potencial agrícola, bovina, piscicultura e demais formas de cultura sustentáveis existentes nas terras indígenas, seja nas terras demarcadas em áreas contínuas e áreas demarcadas em ilhas. A exemplo, existem sete Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) em Roraima, alguns já implementados nas Terras Indígenas Boqueirão, Mangueira, na região do Tabaio, nas Terras Indígenas Aningal e Vida Nova, na região do Amajari e na Terra indígena Jacamim, na região da Serra da Lua.
Além disso, o CIR também tem atuando na articulação e execução de projetos que promovam a autogestão das terras indígenas, principalmente, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde já existem dois escritórios regionais, na região do Baixo Cotingo e Raposa, construídos para atender a demanda regional, sobretudo, a demanda de elaboração e execução de projetos sustentáveis. Em outras regiões os escritórios estão em fase de construção e a meta é que em todas as oito regiões tenham essa estrutura, cujo objetivo é fortalecer a autonomia das comunidades na gestão dos seus territórios tradicionais.
Por fim, diante das falsas acusações e declarações absurdas de um político de baixa credibilidade nacional, cuja postura descumpre o bom senso da ética e da moral, esta organização indígena criada por lideranças indígenas sérias, comprometidas verdadeiramente com o bem estar coletivo das comunidades indígenas e comprometidas com a defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas, não se intimidará a mais esse ataque, reafirmando assim, uma luta coletiva pelos direitos dos povos indígenas de Roraima e do Brasil.
Boa Vista, 21 de novembro de 2016.
Conselho Indígena de Roraima 

Kerexu, a cacica ameaçada de morte que tenta salvar sua aldeia

Aprovação parcial da PEC 215 motivou ataques a região onde vive líder indígena

Kerexu avisou: “vamos ter que nos preparar”. Não deu tempo. Três dias após a PEC 215 ser aprovada em comissão especial no Congresso no final de outubro, a cacica Guarani foi ameaçada de morte. Trinta homens atacaram a aldeia Itaty, liderada por Kerexu, situada no Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, a 30 quilômetros de Florianópolis, no sul do Brasil. As 39 famílias que vivem ali testemunharam a entrada de um caminhão, duas motos e 10 carros. Os estranhos dispararam para o alto com revólveres, soltaram rojões, disseram que iriam expulsar as famílias, invadiram uma casa e, se autointitulando donos do pedaço, fizeram churrasco, com direito a música alta.

Cacica Kerexu, ameaçada de morte com avanço da PEC 215

Para a cacica Kerexu, o recado foi curto. Ela está na mira. Os homens não foram identificados e apesar de quatro deles terem passado a noite na aldeia, a Polícia Federal não os prendeu e apenas os retirou por insistência da procuradora da República Analúcia Hartmann. O argumento dos invasores foi que se a PEC iria tirar os indígenas dali, eles poderiam antecipar o serviço.

Essa não foi a primeira ameaça do ano. Há dois meses, motoqueiros entraram em Itaty disparando. A aldeia é habitada principalmente por crianças e adolescentes, que representam 60% do grupo. O alvo foi a casa de Kerexu, onde vivem seus dois filhos Karaí, 9 anos, e Rayana, 14 anos. Também não foram poucos os telefonemas anônimos que a juraram de morte.

Itaty está situada no quilômetro 233 da BR-101, onde uma passarela conecta as 39 famílias, que sofrem o peso das manobras no Congresso para enfraquecer o direito a seu espaço. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito, pautada pela bancada ruralista e autorizada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no dia 28 de outubro, foi instalada um dia após a aprovação da PEC-215, que propõe uma manobra à Constituição para delegar justamente aos deputados a competência de julgar a demarcação de terras indígenas, quilombolas e reservas ambientais brasileiras.

O foco da CPI é investigar as ações da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), algo visto com enorme preocupação por colocar em risco uma legislação que reconhece o direito indígena, que avançou com muita dificuldade.

E os Guaranis, que por meio da dança, espantam os maus espíritos, sabem bem disso. Desde a fundação dos mitos, o espírito mais perverso entre eles se chama Anha, o demônio. Mas Anha perdeu seu posto recentemente para a PEC 215, também chamada pelos índios de “PEC da morte”.

Deputados catarinenses e o Governo do Estado questionam a permanência dos Guarani nas terras de 1988 hectares entre a ponte do rio Massiambu e a ponte do rio do Brito. Ignoram 23 anos de processos vencidos em todas as instâncias jurídicas e o reconhecimento do Ministério da Justiça, publicado em abril de 2008.

Durante 30 anos, pesquisadores da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a principal instituição científica do país, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Brasília (UNB) publicaram estudos históricos, fundiários, cartográficos, ambientais e antropológicos sobre o Morro dos Cavalos. Há 978 artigos científicos nas bibliotecas virtuais desses centros de ensino sobre a existência legal e legítima da região indígena e suas raízes ancestrais ali. Mas, bastou um único laudo, escrito por um antropólogo contratado pelos latifundiários, para exibir como trunfo em meio à CPI. Um laudo que sugere que não são índios de verdade, mas trazidos do Paraguai.

Na ponta mais fraca, quem segura a pressão é a indígena baixinha de pele amorenada, longos cabelos pretos e olhos sestrosos. Kerexu Ixapyry, 35 anos, foi nomeada a primeira cacica do Morro dos Cavalos em fevereiro de 2012. Sua fala é mansa e pausada e apesar da aparente calma, não dobra a espinha. Se quase 70.000 homens lideram suas tribos no Brasil, ela é uma das 12 cacicas, gênero feminino do cacique.

Kerexu é conhecida por exibir seu alto cocar de penas vermelhas, amarelas e azuis nos grandes encontros em Brasília, reunida entre lideranças masculinas de outras etnias, dispostos todos a sair da invisibilidade em que vivem. Se antes ela não passava despercebida entre os seus, atualmente é conhecida como a primeira vítima das brutalidades que serão desencadeadas caso a PEC 215 vigore.

Os homens que invadiram a aldeia faziam tortura psicológica entre os seus. “Me falaram que fomos trazidos do Paraguai, que a CPI vai tirar nossas terras. Eu nunca tinha visto eles. Se alguém falasse alguma coisa teria morte, eles tinham ódio. Fiquei quieto, só ouvi. Não duvido que numa noite qualquer alguém entre atirando e mate todo mundo”, disse Verá Ixapyry, 22 anos, irmão da cacique, que mora ao lado da casa que foi invadida. Kerexu resiste, mas também fraqueja. “Às vezes me sinto na beira de um abismo, onde me propõem: pula ou te empurramos”, diz.

Na aldeia, ouve-se o barulho dos caminhões mais do que dos pássaros. A terra Guarani foi cortada ao meio pelos militares durante a construção da BR-101, a maior rodovia brasileira, que liga o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte em 4.542 km de extensão. Desde então, a estrada é vista como progresso. E os índios que vivem às suas margens têm a pecha de representarem o atraso.

Dos 21 deputados que votaram a favor da PEC 215, dois são catarinenses. Valdir Colatto (PMDB), uma das principais lideranças pela revogação do Estatuto do Desarmamento, foi financiado pela indústria armamentista e recebeu 36,9% do dinheiro de sua campanha do agronegócio, de acordo com dados do Instituto da Justiça Federal.

Jovem indígena com bebê no colo às margens da BR-101
Jovem indígena com bebê no colo às margens da BR-101 C.Weinman

Os índios Guarani da aldeia Itaty, no Morro dos Cavalos, vivem à margem da BR-101, desde que a estrada construída na época do Governo militar cortou suas terras ao meio.

Celso Maldaner recebeu 15%. Ele explicou o incentivo financeiro pela defesa que faz aos agricultores do Oeste catarinense. “Eles compraram terras na boa fé e agora tem que entregá-las aos índios, não é justo”, disse. Sobre os indígenas do Morro dos Cavalos, ele sugere que eles sejam paraguaios, trazidos por ONGs para faturar verbas da União.

Por fim, defende que a PEC seja benéfica aos indígenas. “Eles vão poder explorar a terra, os minérios, construir hidrelétricas ou arrendar o que têm. Afinal, precisam de dinheiro. Ninguém gosta de viver no miserê”. O Morro dos Cavalos faz parte da unidade de conservação Serra do Tabuleiro, onde há 2.292 nascentes e o mais diverso bioma do Estado.

Colatto não quis conversar com a reportagem. Em seu discurso, durante a votação, afirmou que os indígenas catarinenses eram favoráveis à PEC. Essa versão foi desmentida por meio de carta aberta divulgada pelas três etnias catarinenses, Guarani, Xokleng e Kaingang.

Apesar de viver com pouco, os Guarani não vestem a carapuça da pobreza que lhes empregam. “Nhanderú disse: ‘Vocês vão morar nessa terra e vão proteger ela’. Esse é o nosso destino. Não queremos terra para vender. Terra é de Nhanderú, não pode ser vendida. Ela está viva, todos os seres que a habitam são nossos parentes. Essa é nossa riqueza, não nos preocupamos com outros bens materiais”, disse Tupã Karaí, 60 anos, xamã da Itaty.

Tupã mora na casa mais alta do lado esquerdo da BR-101 com a mulher, as duas filhas, os genros, cinco netos e muitos cachorros. Sua pele morena é talhada pelo tempo, as mãos parecem cascas de árvores, ele só não sorri para tirar fotos, no mais, é pura gentileza.

Além das rezas, é responsável pela preservação das sementes crioulas do milho, repassadas de gerações em gerações há milênios. Tupã planta milho vermelho, preto, roxo, amarelo, com pintas. Entre agosto e setembro de cada ano colhe as sementes e as leva à opy (casa de reza) para serem consagradas por Nhanderú.

Celebra-se então o Ara Pyau, ano novo Guarani, novo ciclo de renovação da Mãe Terra. Os recém-nascidos são batizados, recebem seus nomes espirituais, soprados pelos ancestrais desencarnados através da fumaça do Petyngua (cachimbo sagrado). Esse rito chama-se Nhemongarai (consagração e batismo) e envolve as pessoas da comunidade e também de outras aldeias que trazem seus alimentos para somar ao plantio.

Aldeias próximas a Itaty plantam feijão preto, abóbora e erva mate. Paralelamente, ao Nhemongarai é praticado o Guatá, a caminhada que traz fertilidade a terra. O ritual permite que as aldeias se visitem e mantenham a sensação de unidade. Quando um índio chega com sementes é recebido com festa e decide se quer partir novamente para sua aldeia. Muitos ficam. Kerexu morou em 10 aldeias antes de liderar a Itaty.

Esse rito principal é o mais atacado. O deputado federal Alceu Moreira (PMDB – RS) crê que “esse ir e vir é só para aumentar terra para índio”. Nos seus depoimentos ele defende que os indígenas invadem fazendas e aos poucos se somam para tomá-las. A fraude seria orquestrada pelo CIMI, que segundo sua visão, estaria a serviço da inteligência norte-americana europeia para não permitir a expansão das fronteiras agrícolas do Brasil. Moreira foi um dos principais articuladores pela redução da proteção das matas com a flexibilização do Código Florestal em 2012. Votou a favor da PEC 215 e é presidente da CPI da Funai.

Ao seu lado está o coordenador da Frente Parlamentar de Agropecuária, deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS), como vice-presidente da CPI. Ficou famoso em 2013 ao definir, durante uma reunião de uma Comissão, que “quilombolas, índios, gays e lésbicas… tudo que não presta estão aninhados [no gabinete de Gilberto Carvalho, então ministro da Secretaria Geral da Presidência, do primeiro mandato de Dilma] ”. Na mesma comissão, Moreira chamou a demarcação de índios e quilombolas de “vigarice” e disse que Carvalho estava no comando.

Fonte: El País