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Indígenas viajam do Chaco a Buenos Aires para protestar contra ordem de despejo e são perseguidos pela polícia argentina

Por CLAPA

(com base em arquivo de audio enviado por e-mail)

150 indígenas de diferentes etnias – Pilagá, Wichís entre outros – passam por uma difícil situação em Buenos Aires, Argentina.

Obrigados a sair de seus território em Quitilipi, no Grande Chaco, rumo a capital para reclamar de uma ordem de despejo ilegítima, o grupo de índios de diversas etnias foi parado 13 vezes nas rodovias pela polícia federal.

Após a chegada na capital, diante do estádio do River Plate, foram novamente detidos pela polícia que sequestrou seus ônibus, os poucos pertences e documentos que levavam, lhes deixando atirados nas ruas de Buenos Aires, enfrentando frio e chuva.

Há diversas crianças e idosos entre eles. No momento estão diante da fonte Lola Mora, em costanera sur. Precisam de solidariedade, qualquer apoio possível como alojamento, mantimentos, agasalhos e colchões são demandas urgentes. Buscam também por advogados que possam lhes auxiliar diante da repressão policial e do terrorismo de estado argentino, temem ser novamente detidos.

Em sete minutos, parlamentares aprovam mutilação de áreas protegidas no Pará

Presidente e relator da comissão que aprovou redução de proteção à floresta são alvo de inquéritos divulgados ontem da Operação Lava Jato

No final da manhã de hoje (12/4), numa sessão que durou sete minutos, parlamentares aprovaram o relatório do deputado José Reinaldo (PSB-MA) da Medida Provisória (MP) 758/2016, que reduz a proteção de 510 mil hectares de áreas protegidas, no oeste do Pará. O texto segue agora para o plenário da Câmara e, se lá for aprovado, para o Senado. A MP precisa ser apreciada até 29/5, ou perderá validade.

A sessão da comissão mista especial estava esvaziada, mas, por meio de uma manobra – que usou o quórum da sessão de ontem, quando o relatório foi lido – os poucos parlamentares presentes puderam votar por sua aprovação de forma simbólica, sem registro formal dos votos individuais. Estavam na sessão e votaram a favor da MP os deputados Zé Geraldo (PT-PA), Josué Bengtson (PTB-PA) e Joaquim Passarinho (PSD-PA) e o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) (veja vídeo abaixo da sessão).

O texto original da MP, enviado pelo governo ao Congresso no fim de 2016, ampliava o Parque Nacional (Parna) do Jamanxim em 50 mil hectares. O relatório lido ontem não apenas exclui essa ampliação como prevê a transformação de 101 mil hectares do Parna em Área de Proteção Ambiental (APA) e a transferênica de outros 70 mil hectares para a Floresta Nacional (Flona) do Trairão. Além disso, estabelece que 169 mil hectares da Flona de Itaituba II também sejam recategorizados como APA.

No final da votação de hoje, por um pedido de Flexa Ribeiro, foi aprovada uma emenda dos deputados Francisco Chapadinha (PTN-PA) e José Priante (PMDB-PA) para transformar em APA mais 172 mil hectares do Parna do Jamanxim (veja tabela abaixo).

A APA é uma Unidade de Conservação (UC) que permite em seu interior terras privadas, que podem ser regularizadas e vendidas. Na APA, o desmatamento é permitido, ao passo que em Parnas ele é proibido e nas Flonas só pode ser feito o corte seletivo da vegetação conforme plano de manejo. Portanto, podemos considerar que 510 mil hectares tiveram seu grau de proteção reduzido, sendo que, destes, 442 mil hectares podem vir a se tornar área privadas, englobadas em APAs.

O Parna do Jamanxim tem hoje quase 860 mil hectares. Se for aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Michel Temer a MP, só essa área perderá 344 mil hectares ou 40% de sua extensão total. A Flona de Itaituba II tem mais de 427 mil hectares e ela perderia também cerca de 40%.

Unidade de Conservação Antes da MP Texto do governo Relatório do CongresSo
Parque Nacional do Jamanxim (PA) 859,7 mil hectares Ganha 50 mil hectares Perde 344 mil hectares. Desse total, 273 mil podem se tornar áreas privadas em APAs. Outros 71 mil vão para Flona do Trairão, em área pública.
Floresta Nacional Itaituba II (PA) 427.366,56 hectares Não altera Retira 169 mil hectares para criação da Área de Proteção Ambiental do Trairão.

*Informações obtidas a partir do ICMBio, da proposta do governo e do relatório do deputado José Reinaldo (PSB/MA).

“Essa modificação [prevista na emenda aprovada na última hora], na verdade, estava incluída. Ela foi esquecida na redação do relatório e eu voltei a acatar. É uma área antropizada e não se vê sentido nenhum em não acatar a emenda”, defendeu Reinaldo, quando questionado sobre a inclusão da emenda aos 45 do segundo tempo.

Além da ocupação de agricultores, a construção da Ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, e a pavimentação da rodovia BR-163, que atravessam o Parna, estão sendo usadas como justificativa para a aprovação da MP. Na área transformada em Flona, a mudança pode beneficiar mineradoras. Parnas, diferente de Flonas, não permitem a mineração em seu interior.

Ontem, já havia sido aprovada outra MP, a 756/2016, que retirou 480 mil hectares da Flona do Jamanxim e outros 180 mil hectares da Reserva Biológica (Rebio) Nascentes da Serra do Cachimbo, na mesma região, além de 10 mil hectares, do Parna São Joaquim (SC), a milhares de quilômetros do Pará (saiba mais).

Portanto, no total, 1,1 milhão de hectares em áreas protegidas estão ameaçadas só no Pará. Se somarmos outro 1 milhão de hectares protegidos que parlamentares do Amazonas tentam retalhar no sul do Estado, falamos de quase 2,2 milhões de hectares protegidos sob risco, o equivalente ao território de Sergipe (leia mais).

(E-D) Deputado Zé Geraldo, senador Flexa Ribeiro, deputados Joaquim Passarinho e Josué Bengtson, que votaram a favor da MP

“A aprovação das duas medidas provisórias é um crime contra o Brasil. Todas essas agressões em conjunto terão efeito nocivo para a biodiversidade e o transporte de chuvas para o centro-sul do Brasil. Quem vai sofrer isso vão ser as pessoas nas cidades, os agricultores, a geração de energia, o país como um todo”, diz Ciro Campo, assessor do ISA. Ele ressalva que existem pessoas que estavam na área antes da criação do Parna do Jamanxim e merecem ter suas ocupações regularizadas, mas critica as MPs por elas beneficiarem também grileiros e ocupantes de má fé.

“Eu acho que foi um relatório feito muito às pressas, sob pressão de alguns proprietários que estão na região e que pretendem documentar suas propriedades”, opinou o deputado Zé Geraldo (PT-PA), vice presidente da comissão mista. Apesar da crítica, ele votou favoravelmente ao relatório.

“Minha posição pessoal é que não deveria ser resolvido por Medida Provisória. O governo faz maioria e passa o que quer”, disse o presidente do colegiado, senador Paulo Rocha (PT-PA). Mesmo assim, foi ele o responsável por conduzir uma sessão de votação em sete minutos, com o quórum esvaziado.

José Reinaldo e Paulo Rocha, relator e presidente da comissão, são alvo de inquéritos divulgados ontem pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Édson Fachin em processos relacionados à Operação Lava Jato. O primeiro é suspeito de, na época em que era governador do Maranhão, ter sido conivente com propina paga pela empreiteira Odebrecht para o procurador-geral do estado. Paulo Rocha, por sua vez, é suspeito de solicitar verbas não contabilizadas para a campanha eleitoral de Helder Barbalho ao governo do Pará, em 2014.

Fonte: Instituto Socioambiental

Dos Protetores da Água em Standing Rock: “Bravos Corações para o Fronte” (EUA)

Os Protetores da Água em Standing Rock compartilharam esse vídeo

https://youtu.be/RgRhxJAmye4

convidando todos os “bravos corações” para viajarem até a Reserva Standing Rock na Dakota do Norte e se juntarem a eles na luta para impedir a construção do oleoduto de Dakota.

No final do ano passado, a resistência generalizada contra o projeto do oleoduto levou a administração Obama a momentaneamente parar sua construção, com o Army Corps of Engineers (Corpo de Engenheiros do Exército) anunciando que isso conduziria a uma nova revisão dos impactos ambientais do oleoduto. Mas poucos dias depois de sua posse, o presidente Trump soltou um memorando incitando o Army Corps of Engineers a acelerar a revisão e aprovar o processo. As pessoas que resistem no local reportaram que a brutalidade policial e a militarização aumentaram significativamente desde então. Trump também autorizou a polícia a despejar os resistentes a partir de 22 de fevereiro.

Para auxiliar as pessoas no local e ajudar a manter os Protetores da Água fora da prisão, você pode doar para o fundo da Water Protectors Legal Defense (Defesa Legal dos Protetores da Água) no link abaixo:

Secure.Every.Action

Tradução: Bruno Laet

Fonte: Agência de Notícias Anarquistas

Grave situação dos indígenas Shuar da Cordilheira del Cóndor, no Equador

A última família dos índios Juma

A etnia que já teve 15 mil integrantes hoje se resume a Aruká e suas três filhas: a família final

De semblante fechado, respostas curtas e simples, pobres de detalhes, mas extremamente ricas em sentimentos, Aruká reflete sobre o que poderia ter feito para não estar na situação em que se encontra hoje. “Meu pensamento é que o Juma aumentasse mais. Como que não tem mais Juma?”, questiona.

Aruká é o último homem do povo Juma. No século 18 eram cerca de 15 mil índios desta etnia, mas hoje só restaram o senhor de 82 anos e suas filhas Maitá, 31 anos, Borehá, 35 anos, e Mandeí, a mais nova, hoje com 28 anos. Como são patrilinear, ou seja, seguem a linhagem paterna, e como não existem mais homens, o futuro dos Juma já está condenado. Esta é a família final.

Os Juma não têm pajé, mas têm cacique – algo raro, um mulher: Mandeí. Assim como as irmãs, é uma pessoa simpática mas de postura firme. Em 2014 ela estava caçando na floresta e foi picada no pé por uma cobra jararaca, cujo veneno pode ser fatal. A cacique aguentou e só foi atendida dois dias depois, sem necroses ou perda de membros. Mandeí é, sem dúvidas, uma mulher forte. Pela organização e rotina da aldeia é claro notar que são as três Juma que tomam a frente e comandam o lugar – afinal, a terra é delas.

A história segue o mesmo triste roteiro de outros povos indígenas do Brasil. Inicialmente dizimados pelos portugueses, os Juma foram arrasados pelas doenças trazidas pelo homem branco e em seguida por seringueiros, garimpeiros e ladrões de terra. Foi um massacre constante, com relatos de chacinas, mas nenhuma condenação. No final da década de 70, um grupo invadiu a aldeia para roubar e matou mais de 60 índios. O caso apareceu no jornal local, mas não apareceram culpados. Ser indígena no Brasil é como ser jovem, negro e favelado, mas com ainda menos programas sociais e menor visibilidade da imprensa ou de organizações de direitos humanos.

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A cacique Mandeí. Crédito: Gabriel Uchida

Não bastasse todo o sofrimento histórico, em 1998 os poucos Juma restantes foram transferidos pela Funai de sua terra para uma aldeia de outra etnia, a Jamari dos Uru-eu-wau-wau – apesar de a Constituição Brasileira proibir a remoção de indígenas de sua área original. Segundo a Funai, eles estavam à mercê de invasores e correndo perigo de vida e já estavam muito reduzidos.

Após perder seus familiares e também sua terra, o que sobrou aos poucos restantes foi a melancolia. Ivaneide Bandeira, de 57 anos, é indigenista da ONG Kanindé e trabalha há mais de 30 anos na Amazônia. Ela acompanha de perto a história dos Juma. “Quando eles viviam com os Jupaú, conhecidos como Uru-eu-wau-wau, estavam tristes sem poder exercer sua própria identidade porque estavam na terra de outro povo, então acabavam tendo que obedecer outras normas e códigos sociais. O Aruká era muito triste porque sempre foi o líder do povo dele e lá não se sentia respeitado como estava acostumado.”

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Aruká e suas três filhas: a última família. Crédito: Gabriel Uchida

Somente em 2013, e com um número ainda mais reduzido, os Juma voltaram para a sua terra – de mais de 38 mil hectares e demarcada e homologada desde 2004. Ivaneide acompanhou o processo: “Quando o Aruká retornou para a sua área, ficou orgulhoso de voltar a liderar o seu povo e de ter sua cultura e identidade Juma valorizadas, ele estava super feliz em construir suas próprias moradias com as filhas”.

Os pais de Aruká morreram há tempos. A mãe padeceu por conta da malária, enquanto o pai foi assassinado por um seringueiro. Aruká sonhava em construir uma nova maloca para seu povo, mas o número reduzido de índios impediu que isso se torna-se realidade. Agora próximos de uma unidade da Funai, o último Juma ainda reluta em sair de sua região. “Não gosto muito da cidade porque tenho rancor do branco. Ele matou meus parentes.”

O acesso até o local é difícil. Do município de Humaitá, que fica a 11 horas de carro de Manaus, segue-se pela Transamazônica em uma interminável reta sem asfalto. Dependendo do tempo, os buracos e a terra viram lama que mais parece sabão sob os pneus. Mesmo com uma caminhonete com tração nas quatro rodas é extremamente difícil completar este trecho que leva em torno de 3 horas, dependendo das condições climáticas. Depois disso ainda falta uma hora de barco até a aldeia, que está às margens do rio Assuã. Um pequeno porto é a entrada das embarcações e também o local para o banho. Dali ainda é puxada a água para algumas torneiras improvisadas.

O sofrimento histórico dos Juma é refletido em sua aldeia: diferentemente do que é encontrado em outras terras, ali não tem posto de saúde, nem igreja, nem pajé e nem campo de futebol. Também não tem eletricidade e o único gerador a gasolina está quebrado. São apenas cinco casas, uma construção para a escola que foi montada mas nunca funcionou e um pequeno tapiri tradicional onde os habitantes se reúnem para as refeições. Além dos quatro sobreviventes, também moram no local alguns indígenas de outras etnias ou já misturados. No entorno da aldeia encontra-se mandioca, castanha e milho. Eles mantêm a tradição de caçar e pescar, principal fonte de alimento e também diversão para as crianças.
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Apesar da idade, o senhor Aruká tem um corpo imponente, anda com firmeza e caça sozinho. Ele fala pouco e quando o faz é breve e apenas na língua indígena – não entende o português. Mas seus olhares são poderosos e ele está sempre atento. Enquanto todos comem, conversam, fazem piadas e fumam tabaco, ele se senta na ponta da mesa e fica calado observando como se estivesse tomando conta de tudo. Aruká não gosta muito de ter sua rotina incomodada.

Aruká sente o peso de ser o último dos seus. “Hoje em dia sinto sozinho e penso muito em antigamente, que tinha muita gente”, desabafa. “A gente era muitos e depois vieram o seringueiro e o garimpeiro para matar o povo Juma todinho.” Enquanto acompanha a vida de suas filhas e toma remédios para dores nas costas, o derradeiro Juma pensa no que já se foi. “Antigamente o Juma era mais feliz… e hoje só tem eu.”

Fonte: Risca Faca

Texto e fotos de Gabriel Uchida

Quem lucra com as hidroelétricas que levarão morte ao rio Tapajós?

A Amazônia e seus habitantes estão constantemente ameaçados pela ganância desenvolvimentista do grande capital e seu funcionário, o governo brasileiro. Mais de 375 quilômetros quadrados de floresta estão para ser inundados para a construção de 32 hidroelétricas na bacia do rio Tapajós.

Mesmo antes da construção,o desmatamento na região irá alcançar índices sem precedentes. Após a inundação, a floresta morta submersa apodrecerá liberando enormes quantidades de metano na atmosfera intensificando ainda mais o efeito-estufa.

Terras indígenas como a Sawré Muybu já foram sufocadas sob o peso do lobby industrial: sua demarcação foi embargada. A construção dessas megaobras afetarão as vidas centenas de milhares, indígenas e ribeirinhos. Os Mundurukus perderão seu rio sagrado, as terras em que habitavam seus ancestrais. Muitos serão forçados a viver em conjuntos habitacionais, ou nas periferias das cidades. Em nome do lucro de uns poucos, a vida de muitos será sufocada. Mas quem é a minoria que manobra o estado para garantir seus lucros com tamanha desgraça?

Os políticos que afirmam que as hidroelétricas são para gerar energia para o povo, mentem descaradamente na defesa dos interesses de seus patrões. Os ganhos serão para corporações, indústrias de metais pesados, construtoras, megamineradoras e latifundiários. Seus portos, estradas, minas e parques industriais ocuparão o espaço que foi um dia a floresta.

Existirá alguma força que possa impedir essa enorme tragédia ambiental anunciada? Qual é a resposta que merecem esses ecocidas?

Senado aprova construção de hidroelétrica em terra kaingang em Santa Catarina

No 16 de março, uma Comissão do Senado (Cidadania e Justiça) aprovou a construção de mais uma hidroelétrica na Terra kaingang de Toldo Chimbangue, Santa Catarina.

Através do decreto legislativo 53/2014 a CCJ do Senado autorizou a exploração hidroelétrica e consequente destruição do bioma do rio Irani.O que se viu uma vez mais foi a manipulação de discursos de respeito a diversidade ambiental e cultural, e apologia à políticas de compensação que nada compensam.

Esta aprovação mostra como palavras vazias “cidadania e justiça” são manipuladas para encobrir intenções etnocidas. Para além da máscara desbotada da democracia, o estado segue trabalhando em favor dos interesses dos que têm poder e influência. A noção de cidadania não inclui os indígenas, ao contrário, serve a manutenção e expansão dos privilégios acumulados por governantes, latifundiários e empresários.

Megaconstruções em terras indígenas evidenciam que a demarcação de terras não passa de outra falácia do “estado de direito” para pacificação das populações originárias enganadas. Para estadistas e governantes as “terras indígenas” não são de fato indígenas, mas tratadas como “vazios”, reservas de recursos a serem explorados.

Kerexu, a cacica ameaçada de morte que tenta salvar sua aldeia

Aprovação parcial da PEC 215 motivou ataques a região onde vive líder indígena

Kerexu avisou: “vamos ter que nos preparar”. Não deu tempo. Três dias após a PEC 215 ser aprovada em comissão especial no Congresso no final de outubro, a cacica Guarani foi ameaçada de morte. Trinta homens atacaram a aldeia Itaty, liderada por Kerexu, situada no Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, a 30 quilômetros de Florianópolis, no sul do Brasil. As 39 famílias que vivem ali testemunharam a entrada de um caminhão, duas motos e 10 carros. Os estranhos dispararam para o alto com revólveres, soltaram rojões, disseram que iriam expulsar as famílias, invadiram uma casa e, se autointitulando donos do pedaço, fizeram churrasco, com direito a música alta.

Cacica Kerexu, ameaçada de morte com avanço da PEC 215

Para a cacica Kerexu, o recado foi curto. Ela está na mira. Os homens não foram identificados e apesar de quatro deles terem passado a noite na aldeia, a Polícia Federal não os prendeu e apenas os retirou por insistência da procuradora da República Analúcia Hartmann. O argumento dos invasores foi que se a PEC iria tirar os indígenas dali, eles poderiam antecipar o serviço.

Essa não foi a primeira ameaça do ano. Há dois meses, motoqueiros entraram em Itaty disparando. A aldeia é habitada principalmente por crianças e adolescentes, que representam 60% do grupo. O alvo foi a casa de Kerexu, onde vivem seus dois filhos Karaí, 9 anos, e Rayana, 14 anos. Também não foram poucos os telefonemas anônimos que a juraram de morte.

Itaty está situada no quilômetro 233 da BR-101, onde uma passarela conecta as 39 famílias, que sofrem o peso das manobras no Congresso para enfraquecer o direito a seu espaço. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito, pautada pela bancada ruralista e autorizada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no dia 28 de outubro, foi instalada um dia após a aprovação da PEC-215, que propõe uma manobra à Constituição para delegar justamente aos deputados a competência de julgar a demarcação de terras indígenas, quilombolas e reservas ambientais brasileiras.

O foco da CPI é investigar as ações da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), algo visto com enorme preocupação por colocar em risco uma legislação que reconhece o direito indígena, que avançou com muita dificuldade.

E os Guaranis, que por meio da dança, espantam os maus espíritos, sabem bem disso. Desde a fundação dos mitos, o espírito mais perverso entre eles se chama Anha, o demônio. Mas Anha perdeu seu posto recentemente para a PEC 215, também chamada pelos índios de “PEC da morte”.

Deputados catarinenses e o Governo do Estado questionam a permanência dos Guarani nas terras de 1988 hectares entre a ponte do rio Massiambu e a ponte do rio do Brito. Ignoram 23 anos de processos vencidos em todas as instâncias jurídicas e o reconhecimento do Ministério da Justiça, publicado em abril de 2008.

Durante 30 anos, pesquisadores da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a principal instituição científica do país, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Brasília (UNB) publicaram estudos históricos, fundiários, cartográficos, ambientais e antropológicos sobre o Morro dos Cavalos. Há 978 artigos científicos nas bibliotecas virtuais desses centros de ensino sobre a existência legal e legítima da região indígena e suas raízes ancestrais ali. Mas, bastou um único laudo, escrito por um antropólogo contratado pelos latifundiários, para exibir como trunfo em meio à CPI. Um laudo que sugere que não são índios de verdade, mas trazidos do Paraguai.

Na ponta mais fraca, quem segura a pressão é a indígena baixinha de pele amorenada, longos cabelos pretos e olhos sestrosos. Kerexu Ixapyry, 35 anos, foi nomeada a primeira cacica do Morro dos Cavalos em fevereiro de 2012. Sua fala é mansa e pausada e apesar da aparente calma, não dobra a espinha. Se quase 70.000 homens lideram suas tribos no Brasil, ela é uma das 12 cacicas, gênero feminino do cacique.

Kerexu é conhecida por exibir seu alto cocar de penas vermelhas, amarelas e azuis nos grandes encontros em Brasília, reunida entre lideranças masculinas de outras etnias, dispostos todos a sair da invisibilidade em que vivem. Se antes ela não passava despercebida entre os seus, atualmente é conhecida como a primeira vítima das brutalidades que serão desencadeadas caso a PEC 215 vigore.

Os homens que invadiram a aldeia faziam tortura psicológica entre os seus. “Me falaram que fomos trazidos do Paraguai, que a CPI vai tirar nossas terras. Eu nunca tinha visto eles. Se alguém falasse alguma coisa teria morte, eles tinham ódio. Fiquei quieto, só ouvi. Não duvido que numa noite qualquer alguém entre atirando e mate todo mundo”, disse Verá Ixapyry, 22 anos, irmão da cacique, que mora ao lado da casa que foi invadida. Kerexu resiste, mas também fraqueja. “Às vezes me sinto na beira de um abismo, onde me propõem: pula ou te empurramos”, diz.

Na aldeia, ouve-se o barulho dos caminhões mais do que dos pássaros. A terra Guarani foi cortada ao meio pelos militares durante a construção da BR-101, a maior rodovia brasileira, que liga o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte em 4.542 km de extensão. Desde então, a estrada é vista como progresso. E os índios que vivem às suas margens têm a pecha de representarem o atraso.

Dos 21 deputados que votaram a favor da PEC 215, dois são catarinenses. Valdir Colatto (PMDB), uma das principais lideranças pela revogação do Estatuto do Desarmamento, foi financiado pela indústria armamentista e recebeu 36,9% do dinheiro de sua campanha do agronegócio, de acordo com dados do Instituto da Justiça Federal.

Jovem indígena com bebê no colo às margens da BR-101
Jovem indígena com bebê no colo às margens da BR-101 C.Weinman

Os índios Guarani da aldeia Itaty, no Morro dos Cavalos, vivem à margem da BR-101, desde que a estrada construída na época do Governo militar cortou suas terras ao meio.

Celso Maldaner recebeu 15%. Ele explicou o incentivo financeiro pela defesa que faz aos agricultores do Oeste catarinense. “Eles compraram terras na boa fé e agora tem que entregá-las aos índios, não é justo”, disse. Sobre os indígenas do Morro dos Cavalos, ele sugere que eles sejam paraguaios, trazidos por ONGs para faturar verbas da União.

Por fim, defende que a PEC seja benéfica aos indígenas. “Eles vão poder explorar a terra, os minérios, construir hidrelétricas ou arrendar o que têm. Afinal, precisam de dinheiro. Ninguém gosta de viver no miserê”. O Morro dos Cavalos faz parte da unidade de conservação Serra do Tabuleiro, onde há 2.292 nascentes e o mais diverso bioma do Estado.

Colatto não quis conversar com a reportagem. Em seu discurso, durante a votação, afirmou que os indígenas catarinenses eram favoráveis à PEC. Essa versão foi desmentida por meio de carta aberta divulgada pelas três etnias catarinenses, Guarani, Xokleng e Kaingang.

Apesar de viver com pouco, os Guarani não vestem a carapuça da pobreza que lhes empregam. “Nhanderú disse: ‘Vocês vão morar nessa terra e vão proteger ela’. Esse é o nosso destino. Não queremos terra para vender. Terra é de Nhanderú, não pode ser vendida. Ela está viva, todos os seres que a habitam são nossos parentes. Essa é nossa riqueza, não nos preocupamos com outros bens materiais”, disse Tupã Karaí, 60 anos, xamã da Itaty.

Tupã mora na casa mais alta do lado esquerdo da BR-101 com a mulher, as duas filhas, os genros, cinco netos e muitos cachorros. Sua pele morena é talhada pelo tempo, as mãos parecem cascas de árvores, ele só não sorri para tirar fotos, no mais, é pura gentileza.

Além das rezas, é responsável pela preservação das sementes crioulas do milho, repassadas de gerações em gerações há milênios. Tupã planta milho vermelho, preto, roxo, amarelo, com pintas. Entre agosto e setembro de cada ano colhe as sementes e as leva à opy (casa de reza) para serem consagradas por Nhanderú.

Celebra-se então o Ara Pyau, ano novo Guarani, novo ciclo de renovação da Mãe Terra. Os recém-nascidos são batizados, recebem seus nomes espirituais, soprados pelos ancestrais desencarnados através da fumaça do Petyngua (cachimbo sagrado). Esse rito chama-se Nhemongarai (consagração e batismo) e envolve as pessoas da comunidade e também de outras aldeias que trazem seus alimentos para somar ao plantio.

Aldeias próximas a Itaty plantam feijão preto, abóbora e erva mate. Paralelamente, ao Nhemongarai é praticado o Guatá, a caminhada que traz fertilidade a terra. O ritual permite que as aldeias se visitem e mantenham a sensação de unidade. Quando um índio chega com sementes é recebido com festa e decide se quer partir novamente para sua aldeia. Muitos ficam. Kerexu morou em 10 aldeias antes de liderar a Itaty.

Esse rito principal é o mais atacado. O deputado federal Alceu Moreira (PMDB – RS) crê que “esse ir e vir é só para aumentar terra para índio”. Nos seus depoimentos ele defende que os indígenas invadem fazendas e aos poucos se somam para tomá-las. A fraude seria orquestrada pelo CIMI, que segundo sua visão, estaria a serviço da inteligência norte-americana europeia para não permitir a expansão das fronteiras agrícolas do Brasil. Moreira foi um dos principais articuladores pela redução da proteção das matas com a flexibilização do Código Florestal em 2012. Votou a favor da PEC 215 e é presidente da CPI da Funai.

Ao seu lado está o coordenador da Frente Parlamentar de Agropecuária, deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS), como vice-presidente da CPI. Ficou famoso em 2013 ao definir, durante uma reunião de uma Comissão, que “quilombolas, índios, gays e lésbicas… tudo que não presta estão aninhados [no gabinete de Gilberto Carvalho, então ministro da Secretaria Geral da Presidência, do primeiro mandato de Dilma] ”. Na mesma comissão, Moreira chamou a demarcação de índios e quilombolas de “vigarice” e disse que Carvalho estava no comando.

Fonte: El País

 

Todos firmes contra o IIRSAA

 

 

 

 

Lançada em 2000 a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSAA) é um programa conjunto de 12 estados da América do Sul para promover o avanço do capitalismo industrial no continente sul-americano. A tal “iniciativa” tem sido uma verdadeira hecatombe para os povos ameríndios. A construção de novas estradas, hidroelétricas, polos industriais e usinas nucleares vem ameaçando povos inteiros colocando em risco modos de vida milenares. A parte brasileira do IIRSAA recebeu que recebeu o nome de Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). As “melhorias” do PAC vem destruindo territórios indígenas e ameaçando culturas em muitos cantos do país.

Nós somos radicalmente contra o IIRSAA e o PAC por sabermos que tudo está sendo feito para enriquecer uns poucos em detrimento dos povos ameríndios e a vida na Terra. Em favor da autodemarcação, da autodefesa e da autonomia territorial indígena!

Polícia dá ultimato para expulsão de 50 famílias Guarani-Kaiowá de Kurusu Ambá (MS)

Frente à notícia de despejo iminente, mais de 50 famílias Guarani-Kaiowá passaram a clamar desesperadas por justiça no estado do Mato despejo5Grosso do Sul (MS). Um pedido da suspensão da liminar de despejo, peticionada pela procuradoria da Funai, encontra-se nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Agora está com o presidente da Corte Suprema o poder de evitar mais uma tragédia anunciada contra os indígenas de Kurusu Ambá, tekoha – lugar onde se é – localizado nas imediações do município de Coronel Sapucaia, no sul do estado do MS, já na fronteira com o Paraguai.

Lembranças de sofrimento, dor, mortes, expulsões forçadas e vidas despedaçadas nas beiras das rodovias pesaram novamente na memória e no coração de cada um dos indígenas de Kurusu Ambá. Segundo o depoimento dos Guarani-Kaiowá, na última sexta-feira, dia 06 de março, sem consultar a Funai, órgão indigenista oficial, delegados da Polícia Federal acompanhados de um grupo de policiais se dirigiram até a terra indígena e anunciaram que o despejo da comunidade estaria marcado para o dia 16 de março, próxima segunda-feira. Os indígenas anunciaram ainda que segundo os próprios policiais, os delegados regressarão à comunidade no dia 12 de março, quinta-feira, com o intuito de convencer os Guarani-Kaiowá a se retirarem por “vontade própria” da terra que ocupam.

Frente a esta situação, o rezador da comunidade, Yvyra’ijá, de 65 anos, declarou: “Eles já sabem qual a nossa posição. Todos sabem. Nós não podemos sair, esta é nossa terra, estamos aqui porque lá onde estávamos morrendo de fome enquanto usavam de nossa terra. Só queremos nosso espaço para plantar mandioca e ter direito a uma vida digna. Não nos moveremos porque não podemos, buscamos apenas o que é nosso, retomamos aqui porque sabemos que aqui é nosso, está lá nos estudos, a Funai já estudou, é só olhar. Retomamos este lugar em especial porque esta é nossa terra mãe, nossa terra tradicional. Respeitamos a Constituição, e só entramos onde é nosso de verdade. É muito duro para mim que sou velho ver as leis de um país que tanto amamos, nos tratando tão mal. Eles vão expulsar de novo nós que somos velhos e nossas crianças? Resistiremos. Resistiremos aqui porque não temos opção. Só sairemos daqui mortos, porque a estrada para nós significará morte também”. Acompanhe matéria detalhada sobre o caso dos Guarani-Kaiowá de Kurusu Ambá aqui (http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7739)despejo2.

A decisão de despejo foi concedida no final do ano passado e é baseada essencialmente na interpretação referente ao marco temporal. Esta interpretação tendenciosa da Constituição tem sido utilizada pelos ruralistas para tentar restringir a demarcação à luz do que se refere o trecho da própria decisão do julgador: “E, não bastasse, é de se constar também que o reconhecimento do direito dos indígenas a terras que tradicionalmente ocupassem estaria condicionada à sua habitação ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988, marco temporal condicionante estabelecido pelo STF, por ocasião do julgamento da PET nº 3388 (caso Raposa Serra do Sol), e reafirmado pela 2ª Turma do Pretório Excelso, quando do julgamento do RMS nº 29087/DF, em 16.09.2014.”

O detalhe é que no julgamento da área em questão, a Raposa Serra do Sol, o próprio relator do caso, o ex-ministro do STF, Ayres Britto, definiu que as condicionantes estabelecidas não tinham o caráter vinculante com demais decisões tomadas em relação a outras terras indígenas. Na verdade, enquanto os procedimentos de demarcação das terras indígenas encontram-se paralisados em âmbito nacional desde 2013, os ruralistas têm se movimentado a todo momento para reduzir territórios, em benefício do agronegócio, e alterar os procedimentos demarcatórios por meio de inúmeras proposições legislativas e/ou administrativas, como a PEC 215/2000, a Portaria 303/2012 da Advocacia Geral da União (AGU), o PLP 227/2012 e, mais recentemente, através da incidência em instâncias judiciais às quais têm acesso.

A procuradoria da Funai ingressou com o pedido de suspensão da liminar de despejo no STF e espera-se que justiça seja feita, garantindo aos indígenas um julgamento justo, baseado nos preceitos constitucionais ao invés de ter como base teorias impulsionadas pelo ímpeto do ruralismo.
Hoje, sobre a terra de Kurusu Ambá, existe vida, pintada e simbolizada através do plantio, da casa de reza, da escola, do sorriso das dezenas de crianças que lá vivem falando sua língua e vivendo sua cultura, das práticas tradicionais, dos costumes deste povo que vive na esperança de ter o procedimento demarcatório de sua terra tradicional finalizado.

Somente a demarcação deste território ancestral poderá trazer um fim definitivo ao sofrimento que os acompanha há muitas décadas. É preciso lembrar que nos últimos sete anos, o povo de Kurusu Ambá assistiu a mais de dez de suas lideranças serem assassinadas na luta pela retomada de sua própria terra, e que, em consequência direta da paralisação dos estudos demarcatórios, a mesma comunidade assistiu também há muitas outras mortes, sobretudo de crianças, vitimadas pela fome e pela desnutrição. Este número poderá aumentar caso esta decisão temerária de despejo não seja revertida, uma vez que a comunidade indígena já anunciou que prefere morrer a ter de deixar seu território novamente. Na última ordem de despejo contra uma terra indígena, executada pela Polícia Federal no MS, houve resistência e Oziel Gabriel, jovem Terena, acabou assassinado.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em solidariedade ao sofrimento das famílias Kaiowá faz coro ao pedido por um julgamento justo, baseado nos preceitos constitucionais ao invés de interpretações equivocadas. Esta nas mãos do STF garantir que a justiça vigore sobre a força e a vida vigore sobre a morte. Só a Corte Suprema pode impedir que a violência siga sendo a lei mais forte no estado do Mato Grosso do Sul.

Fonte: CIMI – http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8013&action=read