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Vejam! Os brancos nos matam com papéis!

por Frente Anticolonial de Libertação da Terra

Neste continente, nenhum sentimento de revolta é mais legítimo que o das populações ameríndias.

Como se não bastasse a violência colonial, estas populações sobreviventes de tantos massacres, guerras e epidemias tiveram que suportar nas últimas décadas a hipocrisia das “lições de moral” emitida por estados nacionais e elites genocidas.

Mentiras sádicas como “o mito da democracia racial”, e o “respeito governamental pela diversidade cultural” continuam a ser ensinadas para as crianças indígenas em escolas bilíngues, enquanto isso seus territórios seguem sendo ocupados, jovens indígenas engrossam as fileiras dos exércitos de mão de obra barata e dispensável – no chão das fábricas e nas frentes de trabalho nas monoculturas – nos cantos esquecidos do país, uma geração de índios após a outra (como os brancos e negros pobres) está cada vez mais habituada com a escravidão assalariada.

Neste continente, há mais de 500 anos, a estratégia colonial de dominação faz uso tático da distração através da crença de que folhas brancas de papel com marcas de tinta negra são sagradas se contiverem “assinatura”, “timbre”, reconhecimento e carimbo de autoridades. São inculcadas pelas elites coloniais brancas a brancos pobres, a índios e a negros, o engano de que com isto a que chamam “documentos” é possível garantir “direitos”. Que “direitos” vem com o que chamam de “deveres”. Nunca jamais lhes é dito que “dever” é o mesmo que “dívida”, e que “dívida” há milhares de anos, em impérios e civilizações diferentes foi e segue sendo um mecanismo de escravidão.

Os históricos desrespeitos de acordos estabelecendo sucessivas demarcações no Brasil mostram que esta é apenas uma crença para iludir os setores dominados. Sempre que lhes convém, sempre que lhes fosse rentável – governantes, latifundiários e empresários – passaram por cima dos documentos assinados como se não existissem para – assim que a poeira baixasse – propor novos acordos, sugerir novos documentos. Outras crenças utilizadas contra populações submetidas tratam-se da suposta validade de “reuniões” e “visitas” de “autoridades”, “promessas de políticos”, instituições de “secretarias estaduais” e “fundações nacionais”. Maquinações que na aparência se davam para a proteção do interesse dos povos indígenas, tinham como intenção real servir de mecanismo de distração de controle. Exemplos disso no Brasil são o Serviço de Proteção do Índio e sua filha bastarda, a FUNAI.

Estas distrações há muito tempo servem para esconder as tantas orgias administrativas de burocratas parasitas, os muitos massacres silenciados que durante décadas a se perder na história sofreram os povos ameríndios. Se indígenas no contexto brasileiro tivessem de fato uma educação escolar que fosse autônoma, que fosse sua, suas crianças aprenderiam a ler e falar na língua portuguesa a partir de trechos do “relatório figueiredo”. [1]

Mas a consciência é difícil de se apagar entre os povos que há mais de 500 anos resistem e lutam. Sempre haverá quem nunca é enganado por mentiras, e foi com uma frase simples que um ancião deu aos mais jovens seu entendimento sobre esta questão. “Abram os olhos, os brancos nos matam com caneta e papel”.

Para além dos aparatos de distração em massa é preciso enxergar o sistema capital colonial como ele de fato se dá:

I) com base na expropriação e concentração dos recursos na mão das elites.

II) buscando sempre dividir e distrair para conquistar e se perpetuar.

III) corrompendo lideranças indígenas, buscando de todas as formas criar elites indígenas.

IV) submetendo sempre que possível a maior parte à regimes de dívida e escravidão assalariada.

É preciso nunca esquecer que esta máquina desumanizante não pode ser reformada. Ela precisa ser combatida até sua total abolição. A única resposta válida – na busca pela libertação – é se reivindicar anticapitalista, antiestatal e, num nível mais profundo, anticivilizador. Não são poucos grupos que em diferentes continentes se colocam de pé ao se apropriarem desta perspectiva. A história nos mostra que não foram documentos que garantiram a existência da maior parte das terras, e não vão ser papéis como decretos e convenções que salvaguardarão e dignidade das futuras gerações de índios. Somente a brava luta dos povos, apenas a corajosa busca pela destruição deste sistema pode levar à emancipação.

Primeiras Palavras

quando lhes foi explicada a sociedade proposta através do anarquismo, ou seja, uma sociedade cooperativa, autodeterminada e sem hierarquia, a resposta dos anciões foi ‘mas isso é ser índio Pensamentos Anarquistas sobre a Terra Indígena

A cada palmo de terra – dos rincões esquecidos à crosta cinza dos centros das cidades deste continente – jazem escondidos os vestígios de incontáveis genocídios coloniais. O poder civilizado que distorce e apaga as histórias, busca matar a memória destes incontáveis povos que já não existem mais. Jovens mortos, aldeias destruídas, mulheres violadas e crianças seqüestradas: as atrocidades cometidas contra os ameríndios não aparecem na história oficial dos estados nacionais e de suas frentes coloniais.

Aos povos sobreviventes das políticas coloniais de genocídio – menos de 10% da população anterior à invasão européia – incidem agora outras táticas de extermínio: Práticas integracionistas e progressistas que buscam acabar com a diferença, encobertas pela hipocrisia dos discursos multiculturais institucionais.

Através da força institucionalizada o poder colonial nega a experiência direta e as palavras dos velhos a beira do fogo e impõe a escola como direito, deslegitima a medicina tradicional e implementa políticas médicas higienizantes, destrói a tradição alimentar das matas em favor dos transgênicos e outros alimentos nocivos a saúde levando a todos a doença e a morte.

As ações do estado não deixam espaço para dúvidas: busca solapar os povos originários de seus territórios ancestrais em troca de assistencialismo de má qualidade. Integrá-los à sociedade na parte de baixo da pirâmide, na qualidade de pobres trabalhadores e desempregados nacionais, com disposição a aceitar passivamente a exploração do capital e os impostos do estado.

Para além de noções vagas de “sujeitos de direito” ou de “cidadãos”, e afastando-se das lógicas coloniais que há 500 anos arrasam com esta terra, entendemos que os povos indígenas não pertencem aos estados nacionais, mas povos autônomos, portadores de tradições milenares em harmonia duradora relação com a terra.

O Coletivo Libertário de Apoio aos Povos Ameríndios surge como iniciativa de solidariedade aos povos indígenas enfrentando às práticas coloniais. Inspirados pelos ideais anarquistas, e a despeito de nossas limitações, nos somamos à luta dos povos remanescentes pela dignidade selvagem e pela liberdade irrestrita, contra a destruição da terra pelo capital e o agronegócio.

Uma de nossas metas é a difusão de informação a respeito das lutas ameríndias sob a ótica libertária, apoiando com solidariedade a retomada de suas terras, outra meta é incentivar a ação mediante a informação fazendo frente ao constante apagamento perpetrado pela mídia corporativa às lutas dos povos originários.