Conselho Mbyá Guarani barra madereiras em terras indígenas na argentina

No dia 27 de julho , os Mbyá-guarani reuniram-se para mais um encontro Aty Nhexyrõ – conversa em roda. O encontro ocorreu na aldeia Ka’ákupe, em Misiones, Argentina. Foi marcado pela primeira vez que o Estado argentino realizava uma consulta prévia aos povos originários a respeito do interesse de empresários em explorar áreas indígenas.

Como um verdadeiro fantoche de interesses privados, o Estado argentino apareceu ao lado dos empresários, advogados e engenheiros das empresas. Dizia mediar a reunião, mas depois os próprios empresários revelaram que já possuíam uma autorização do Ministério de Ecologia y Recursos Naturales para cortarem as árvores que queriam.

A primeira empresa, Coschirt, apresentou seu projeto de explorar 641 hectares localizados a 100 metros das casas mbyá na aldeia de “Arroyo 9”, defendendo que só iriam cortar as maiores árvores por “não servirem para mais nada”. A resposta das lideranças foi veemente: “Não”. Os motivos eram muitos: como medir a serventia de uma árvore se até ela cair sua casca serve de medicina, e suas frutas, cada vez mais maduras, servem de alimento às crianças? Os empresários antes otimistas com suas explicações técnicas amparadas na legislação ambiental argentina não acreditavam no que ouviam. Vherá, filho de Tupã, bradou que se os empresários viessem com suas máquinas destruindo a floresta, Tupã viria logo atrás com seus raios e trovões, passando por cima não mais dos mbyá, mas dos brancos que ali estivessem. Com força gritou que a luta cosmológica mbyá é para manter os céus em pé para todos, não só para eles. Por isso tudo, mas não por tudo isso a resposta a empresa era: “Não, que voltassem para suas casas”.

Depois de uma saraivada de críticas aos interesses dos primeiros engenheiros. A segunda empresa, Carbac SA, apresentou um discurso muito mais moderado. O caso era que eles possuíam uma autorização de um antigo cacique para explorarem uma área de 2932 hec. a menos de 50 metros das casas mbyá na aldeia de Kaá Poty. O detalhe era que o antigo cacique era analfabeto, cego e extremamente doente quando assinou tal autorização – veio a falecer poucos meses depois. Mais uma vez os Mbyá mostraram sua força e mandaram parar todas as máquinas da empresa, revogando a autorização do antigo cacique.

A reunião terminou com os Mbyá dançando tangará ao som do violão e violino, e cantando: yvy pave mba’é, yy pave mba’é, kaygua pave mba’é – “A terra é pra todos, a água é pra todos, as matas são pra todos”

Mobilização nacional indígena movimenta 16 estados

Mobilização nacional de 81 etnias ocupa prédios e rodovias em dezenas de estados do país. Defesa de direitos, da Funai e contra o assassinato de indígenas foram alguns dos temas que marcaram os protestos.

Foto: Tuane Fernandes / Mídia Ninja

“Essa CPI quer tomar nossas terras e nossos territórios, não somente criminalizar a Funai, e isso tem aumentado muito a violência contra nós, povos indígenas, e nós não podemos deixar que essa CPI seja maior que nossa força e nossos direitos. Vamos lutar contra essa CPI, direitos não se negociam, direitos devem ser respeitados“, disse Sonia Guajajara, líder indígena, em entrevista coletiva na Câmara dos Deputados, após cerca de 25 prédios da Funai serem ocupados simultaneamente em todo o Brasil.

Apenas no último mês, foram registrados dois ataques de grupos armados contra a tribo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. No último dia 14 de junho, quatro pessoas ficaram gravemente feridas e uma faleceu vítima de fazendeiros. Antes de ontem (11) outros três foram baleados e também morreram.

A revolta dos povos tradicionais se dá em um grave momento de ataque à sua população, ao principal órgão indigenista do país, a Funai (Fundação Nacional do Índio) e ao instituto responsável por demarcações de terras, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A CPI da Funai é um mecanismo para suprimir terras indígenas e dar ainda mais terra para fazendeiros.

“Estabeleceram-se processos administrativos de titulação de terras para quilombos subjetivos e até fraudulentos, onde a simples opinião de um antropólogo se sobrepõe a tudo e a todos e a registros públicos seculares, onde os direitos constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa dos atingidos, inclusive dos entes federados, não são respeitados. O resultado é o que se conhece: reservas imensas, sem qualquer justificativa, atritos entre os próprios grupos indígenas e expulsão de agricultores de suas propriedades“, diz um trecho do documento de abertura da CPI da Funai/Incra.

No contexto de repetidos assassinatos de indígenas em todo o paí, dizer que agricultores são expulsos de suas propriedades e reservas não possuem justificativa de existir é, no mínimo, uma posição extremamente voltada ao agronegócio e à exploração da terra em detrimento da fauna, flora e dos povos tradicionais. Dessa forma, fica evidente ao que se propõe essa Comissão.

#OcupaFunai

Confira em quais cidades os prédios da fundação indigenista foram ocupados:

Brasília/DF – Lábrea/AM – Manaus/AM – Tucumã/PA – Canarana/MT – Juína/MT – Campo Grande/MS – Guaíra /PR – Itanhaém/SP – Rio de Janeiro/RJ – Governador Valadares/MG – Passo Fundo/RS – Imperatriz/MA – Florianópolis/SC – Rio Branco/AC – Goiânia/GO – Fortaleza/CE – Oiapóque/APPauini/AM – Curitiba/PR – Marabá/PA – Aripuanã/MT – Santarém/PA – São José/SC

Fonte: Mídia NINJA

General na Funai e a epidemia-genocida-xawara

Por Daniel Pierri

A indicação de Peternelli para a Funai é o coroamento de uma estratégia de perseguição neobandeirante

Michel Temer não gosta de ver o impeachment associado à palavra golpe, e muito menos ao golpe militar. Porém, constrói nos bastidores a nomeação de um General reformado, Sebastião Peternelli, para a presidência da Funai. Peternelli é indicação de André Moura, PSC, líder do Governo na Câmara e de Romero Jucá, flagrado por grampos como articulador de operação para barrar a Lava Jato.

Peternelli foi derrotado como candidato a deputado federal nas últimas eleições. Em seu twitter, apareceu um post defendendo a intervenção militar para derrubada de Dilma. Em seguida, ele alegou que alguém havia invadido sua conta e postado indevidamente, e que ele era a favor da “legalidade”. Em seu Facebook, porém, exalta a ditadura militar, e a perseguição à “comunistas”.

O general exerceu a função de secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), nomeado por José Sarney em 2012, quando esse ocupava a função de Presidente da República em exercício, durante uma viagem de Dilma Rousseff e  Michel Temer, ainda no primeiro mandato. O pesquisador Jorge Zaverucha, em seu artigo publicado no livro O que Resta da Ditadura, esclarece que o Brasil era até recentemente o único país latino-americano que havia conservado a subordinação de seu órgão de inteligência aos militares; no caso a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, criada no Governo FHC –, ao próprio GSI, órgão controlado por ministros militares. Em seu segundo mandato, Dilma havia finalmente retirado o status de ministério do GSI, passando a ABIN para a Secretaria de Governo. Temer imediatamente revogou o ato, devolvendo o controle da ABIN aos militares.

O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no capítulo que trata da temática indígena, revelou que os órgãos de inteligência do Governo Militar perseguiam o movimento indígena então nascente, e também grampeavam e monitoravam seus aliados, seja da sociedade civil, seja dentro da própria Funai. Após o AI-5, foi criada na Funai uma Assessoria de Segurança da Informação (ASI), ligada diretamente à Divisão de Segurança da Informação (DSI) do Ministério do Interior, a ABIN da época. O acervo do ASI-Funai é farto em transcrições de grampos de servidores da Funai, de lideranças indígenas, de organizações indigenistas, e até de bispos da CNBB. Está tudo documentado, quem defendia demarcação de terras, índio ou não índio, estava monitorado a cada passo.

Hoje, a mesma bancada ruralista, que participa do lobby pró-Peternelli, controla uma CPI da Funai e do Incra na Câmara, instalada para perseguir novamente os índios e seus apoiadores, e abrir espaço para uma série de retrocessos na política indigenista, como a famigerada PEC 215, em relação à qual o general já se mostrou favorável. A nomeação de um quadro do GSI para presidência da Funai seria o coroamento dessa estratégia de perseguição neobandeirante, liderada pela bancada BBB – do Boi, Bala e Bíblia.

O relatório da CNV também revelou que Romero Jucá, padrinho inconfesso de Peternelli, foi responsável direto pela morte de centenas de Yanomami, ao capitanear a invasão de garimpeiros nesta terra indígena enquanto era presidente da Funai, e ao mesmo tempo expulsar as equipes de saúde da área, fazendo invadir as epidemias junto com o garimpo. Conforme documento divulgado pela CNV,  Jarbas Passarinho (1920-2016), então ministro da Justiça, confessou em 1993 a sua responsabilidade, a do Estado, e de Romero Jucá no genocídio Yanomami. À época, Sarney era Presidente da República e o general Peternelli era membro da sua segurança pessoal. Jucá até hoje continua exercendo sua influência na política local em Roraima, por meio de indicações e conchavos, que ele tenta fazer estenderem-se novamente à Presidência da Funai, que já ocupou.

Davi Kopenawa, líder Yanomami, testemunha do genocídio promovido com apoio de Jucá, recentemente publicou uma monumental obra auto-biográfica, A Queda do Céu, que relata os sucessivos massacres que os Yanomami sofreram durante a ditadura militar, e durante a gestão Jucá-Sarney. Os Yanomami chamam de xawara as epidemias associadas às mercadorias e à ganância dos brancos e seus chefes, cujo pensamento Kopenawa reproduz em seu livro: “Somos poderosos. Somos donos de toda a floresta. Que morram seus habitantes. Estão morando nela à toa, num solo que nos pertence”.

Foram pelo menos 8.350 indígenas mortos entre 1946 e 1988, segundo a CNV, provavelmente muito mais. As palavras que Kopenawa atribui aos chefes brancos são repetidas quase que literalmente da boca de parlamentares como Luiz Carlos Heinze, que diz que os índios são tudo que não presta, de Alceu Moreira e Jair Bolsonaro, que convocam os fazendeiros a se armarem contra os índios. São eles que incitam o ódio que culminou no assassinato recente do kaiowa-guarani Cloudione Rodrigues Souza, são eles que querem colocar Peternelli na Funai para voltar ao tempo dos militares.

Quando se diz que é golpe, não são todos que se dão conta de que para as populações mais vulneráveis o que se passa hoje com o ilegítimo Governo Temer é sim comparável ao que se passou durante a ditadura. Diante de tantos ataques, o que os povos indígenas precisavam era o fortalecimento institucional da Funai, voltado para a efetivação dos direitos sedimentados na Constituição Federal, especialmente a demarcação e proteção de suas terras. A indicação de Peternelli, entretanto, é parte de um projeto de restrição brutal dos direitos indígenas, intensificado no Governo golpista, que trabalha para um desmonte da Funai, com cortes substanciais de estrutura e orçamento pelo Ministério da Justiça, e sinalizações de recuo em demarcações de terra já publicadas.

Como sempre fizerem, porém, os povos indígenas vão resistir, pois retroceder nos direitos conquistados em 1988 significa o aprisionamento no tempo do genocídio que nunca parou, no tempo da xawara, a epidemia mortal das mercadorias e da ganância dos brancos.

Fonte: El País

Sem presença da Funai, índios assumem proteção das terras

Por Ciro Barros / Iuri Barcelos (Agência Pública)

Ações de fiscalização caíram quase 60% de 2011 a 2014; povos que assumiram a tarefa por conta própria sofrem com ataques de madeireiros e invasões garimpeiras

Guajajara assassinados

Cansados de esperar por fiscalizações mais frequentes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ibama e da Polícia Federal, o povo Guajajara da terra indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, resolveu reagir. “A gente resolveu formar uma comissão de lideranças e caciques. Essa comissão achou melhor que a gente tivesse os nossos próprios guardiões da terra, pra gente mesmo defender o nosso território”, conta Suluene Guajajara, uma das lideranças do povo. Esses guardiões Guajajara receberam das lideranças uma missão: percorrer todos os 413.000 hectares do território em busca dos invasores atraídos pelas riquezas naturais, sobretudo a madeira.

Ao protegerem a própria área, os indígenas buscam garantir seu direito de usufruto exclusivo dela, como determina a Constituição. Antes de saírem para a guarda, os índios comunicam à Funai e, ao flagrarem qualquer invasor, o cercam e avisam às autoridades. O risco, porém, os acompanha a cada passo da ronda.

“Os guardiões sofrem muita ameaça. Eles não podem mais fazer compras na cidade, por exemplo. As pessoas que lucram com a exploração das nossas terras ficam falando que vão queimar, vão cortar o corpo dos guardiões. Eles até colocam preço na cabeça dos guardiões: quem matar um leva dez mil reais, 15 mil reais”, diz. A voz de Suluene estremece, os olhos enchem d’água. “A gente vive com muito medo.”

As ameaças de morte já se concretizaram. Só neste primeiro semestre de 2016, quatro Guajajara (Aponuyre, Genésio, Isaías e Assis) foram violentamente assassinados no período de um mês, dois deles a pauladas, e um deles, Aponuyre, tinha apenas 16 anos.

Outro índio assassinado, Assis Guajajara, era um guardião. “Infelizmente isso não é novidade, a gente se acostumou a viver com medo. Em 2007, os madeireiros já tinham matado outro indígena, um senhor da aldeia Lagoa Comprida. E eles nunca pararam de nos ameaçar”, conta. “A Funai vai lá na terra uma vez, faz uma ação, coíbe alguns madeireiros, mas é só a Funai sair que eles voltam. A gente fica oito, dez dias protegidos, mas a Funai vai embora. Os próprios funcionários são ameaçados na estrada pelos madeireiros. E parece que eles são avisados: quando a operação da Funai chega, eles saem e não estão mais lá”, desabafa Suluene.

Queda livre nas fiscalizações

A morte dos Guajajara vem na esteira de um cenário preocupante para os povos indígenas brasileiros: a queda livre nas ações de fiscalização em terras indígenas pela Funai. Segundo o último relatório de gestão do órgão indigenista, em 2011 foram 227 ações de fiscalização e, em 2014, o número caiu para 92 ações, queda vertiginosa de 59%. O relatório aponta uma razão para a redução das ações de fiscalização: a insuficiência de recursos orçamentários, fato que “limita o desempenho das ações da Diretoria de Proteção Territorial no cumprimento de suas atribuições legais, principalmente para a implementação de ações de monitoramento territorial, que têm tido uma expressiva redução nos últimos anos”.

Levantamento realizado pela Pública indica que a redução das ações de fiscalização se encaixam em um quadro mais amplo da dinâmica orçamentária da Funai. Embora o orçamento geral do órgão tenha apresentado leve crescimento nos últimos dez anos, houve uma forte redução da verba destinada às atividades de fiscalização da Funai, que tem a responsabilidade de zelar por uma área indígena equivalente a 13% do território nacional. Em 2015, por exemplo, o que se gastou com fiscalização representa menos da metade do que se gastava há dez anos.

Suluene avalia que a Funai padece de apoio do Estado brasileiro. “A gente que é do movimento indígena sabe que o governo não vem dando condições para que a Funai faça o seu trabalho direito. A Funai não tem funcionários pra conseguir fiscalizar nada. E isso é pelas pressões políticas que eles vêm sofrendo. Mas, enquanto isso acontece, os povos indígenas correm muito risco”, diz a líder Guajajara.

No ano passado, após dois meses seguidos, um incêndio tratado pelos Guajajara como criminoso consumiu mais da metade (53,2%) da TI Arariboia. Os madeireiros são apontados como os principais responsáveis pelo início das queimadas na região. “Nossa caça fugiu ou morreu, e a gente não tem mais como viver de acordo com a nossa cultura”, lamenta Suluene.

Com o incidente, a saúde alimentar e a sustentabilidade dos Guajajara deixou a comunidade em situação delicada. “A terra não consegue mais nos alimentar. E uma das formas que mais ameaça a gente é a alimentação”, diz. Segundo ela, frango da granja, biscoito e refrigerante passaram a ser consumidos pela comunidade. “Agora temos casos de diabetes, hipertensão, câncer. Antes a gente tinha doença espiritual, mas o nosso pajé curava. Só que o nosso pajé não cura um câncer, não cura diabetes”, diz.

Reestruturação pela metade?

A situação relatada pelos índios com a pouca fiscalização do órgão indigenista é um dos nós que colocaram a Funai na berlinda em vários momentos de sua história. Na gestão de Márcio Meira (2007-2012), uma mudança estrutural por meio de dois decretos (7056/2009 e 7778/2012) dividiu opiniões dentro e fora do órgão. “A ideia dos decretos de reestruturação foi um grande esforço de adequar a Funai à Constituição de 1988 e garantir a autonomia indígena”, afirmou Meira.

A mudança na Funai foi recebida à época com ressalvas (e protestos) pelos povos indígenas, movimentos sociais, funcionários e até por ex-presidentes do órgão, sobretudo pela diminuição do número das antigas Administrações Executivas Regionais em comparação às CRs criadas na reestruturação.

A retirada dos postos indígenas das aldeias é criticada pelo ex-presidente da Funai Mércio Gomes (2003-2007). “[A reestruturação] foi péssima porque retirou os postos das terras indígenas. Hoje todo mundo está nas terras indígenas, menos a Funai. Tirar os postos indígenas foi algo completamente absurdo”, critica. “No Mato Grosso, por exemplo, você tem várias Coordenações Técnicas Locais próximas às terras dos Xavante, mas ninguém dentro das terras para coibir os conflitos que ocorrem lá. Essa reestruturação esvaziou a Funai”, avalia.

Meira defende a medida tomada por sua gestão. Ele explica que a reestruturação começou em 2007, com base em um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e com estudos da própria Funai. “Nós elaboramos uma reforma processual que, lamentavelmente, não pode ser continuada nas gestões posteriores”, avalia.

Para ele, os concursos públicos contínuos eram um passo fundamental na reformulação proposta. “Havia a expectativa de que o Ministério do Planejamento desse continuidade aos concursos a cada ano, o que não aconteceu”, reclama.

O sócio-fundador do Instituto Socioambiental Márcio Santilli, que já presidiu a Funai (1995-1996) na gestão de Fernando Henrique Cardoso, vê “vários méritos” na reestruturação de Meira, mas pondera que os concursos públicos perderam efetividade. “A Funai tem uma enorme dificuldade de basear pessoal nas pontas, especialmente no caso das terras indígenas que, muitas vezes, são áreas remotas”, avalia.

Gustavo Vieira, servidor da Funai e membro do Movimento de Apoio aos Povos Indígenas (Mapi), avalia que a reestruturação do órgão deu novo perfil ao funcionário da Funai, que passou a ser mais “articulador de políticas locais” e menos um agente que “atende demandas diretas do índios”. “O chefe de posto tinha mais ou menos essa função, ou seja, seria uma espécie de ‘cacique branco’, que se relacionava com os índios de uma forma meio assistencialista”, opina.

A despeito das críticas, Vieira vê uma institucionalidade maior do órgão com a reestruturação. “A retirada dos postos avançados de dentro das aldeias e a criação das CTLs nas cidades deram uma articulação melhor dos funcionários da Funai com as prefeituras, com as secretarias municipais e estaduais.”

Lado indígena

Sônia Guajajara, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), é assertiva sobre a questão: “A reestruturação está só no papel e a Funai só tem se distanciado dos conflitos das terras indígenas”.

Telma Marques, da terra indígena Araçá e membro do Conselho Indígena de Roraima, considera que a Funai passou pela reestruturação para definir várias situações, mas que “falta muita coisa para que haja uma atuação direta com os povos indígenas”.

Segundo ela, a fiscalização é um dos grandes problemas. “Todas as ações dentro das terras ainda são pequenas. Há um contingente mínimo de pessoas para fazer as ações, o que acaba inviabilizando o trabalho da Funai.”

Segundo o último relatório de gestão do órgão, os cortes nas atividades de proteção territorial foram de 50% entre 2008 e 2014. O Governo ainda não regulamentou o poder de polícia da Funai, algo previsto na lei que criou o órgão em 1967. “Hoje não está muito claro o papel da Funai. A gente está vendo que a Funai está sem braço para garantir a segurança dos povos indígenas. Mas enquanto isso a gente é que está sofrendo na pele”, conclui Rosimeire Maria Vieira Teles, do povo indígena Arapaso, da TI Alto Rio Negro.

Para além do debate sobre a reestruturação da Funai e a autonomia indígena, a violência contra esses povos é uma realidade crescente. As pressões a que os povos indígenas estão submetidos são as mais diversas: vão de ameaças de narcotraficantes às de madeireiros, passando pelo garimpo ilegal, a pecuária extensiva e megaempreendimentos públicos e privados (hidrelétricas, estradas, barragens de mineração etc.).

Este vídeo faz parte do especial Amazônia em Disputa. Leia o restante do material aqui.

Programa de proteção já acolheu 133 indígenas

Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (arquivo 1 e 2) mostram que 38 indígenas estão incluídos atualmente no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, mantido pelo governo federal. Outros 43 passam por uma triagem e 15 estão em análise. Ao todo, 133 índios foram acolhidos pelo programa entre 2009-2016.

A situação de insegurança corrobora os relatórios sobre violência contra os povos indígenas elaborado desde 2003 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Somente em 2014, ano do último levantamento, 138 indígenas foram assassinados no país, número mais alto da história do relatório. A média anual é de 68 assassinatos.

Fonte: El País