Category Archives: Genocídio Indígena

Sobre assassinatos de docentes indígenas no Brasil

No último dia 8 de março o professor Carlos Alberto Domingos Kaxinawá, do povo Huni Kui foi morto a tijoladas em Santa Rosa do Purus, no Amazonas. Este não é um caso isolado. No Brasil, de norte a sul, o número de homicídios de docentes indígenas não pára de crescer.

Em 7 de novembro de 2014 o professor Davi Limeira de Oliveira, do povo Kaingang foi assassinado a tiros na cidade de Vicente Dutra, Rio Grande do Sul. Em  25 de agosto de 2014 o professor Roressi Madija Kulina foi assassinado a facadas em um campo de futebol na cidade de Juruá, no Acre. E estes são somente alguns dos assassinados ocorridos no último ano. Qualquer um que pesquisar assassinato de professores indígenas descobrirá que este também não é um fenômeno recente.

Assim como em outros países da América em que os povos originários lutam para garantir a continuidade de seus modos de vida, e a integridade de seus territórios, em terras brasileiras a matança de professores faz parte da estratégia antiindígena. São os professores aqueles que melhor compreendem os idiomas nacionais e os costumes das populações civilizadas. São eles capazes de entender também as armadilhas das políticas estatais e os códigos legais. Devido a esse conhecimento, entre muitos povos, são os professores que atuam politicamente como porta-voz de seus grupos, levando em conta também as palavras dos anciãos, no fronte de reivindicações dos direitos.

Os professores indígenas também têm a função de preparar as novas gerações para lidar com a ameaça que lhes impõem as nações civilizadas. Esta preparação é lenta e relacional, demanda tempo e diálogo entre os parentes. Quando um professor é morto as novas gerações (que geralmente também fazem parte de sua família) deixam de contar com o conhecimento e a experiência acumulados sobre os não índios. Ambos são fundamentais para lidar em diferença esferas com a intensão etnocida antiindígena.

Convenientemente ignoradas pelas autoridades e pelos agentes da mídia de massa, estas mortes são lembradas na historia oral, gerando entre os parentes uma ferida que não cicatriza. A certeza de impunidade, a farsa da justiça, tudo contribui para que a violência civilizada imputada sobre as populações indígenas passe desapercebida pela massa de cidadãos distraídos.

De nada adianta implorar por justiça ao estado democrático de “direitos”, quando este estado, através de sua morosidade e resignação, não cessa de colaborar com estas políticas antiindígenas de extermínio. Neste cenário de etnocídio mal disfarçado que é hoje a realidade indígena no Brasil, a autodefesa, reconhecidamente um direito originário, parece ser a única forma de garantir a sobrevivência das populações indígenas.

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Polícia dá ultimato para expulsão de 50 famílias Guarani-Kaiowá de Kurusu Ambá (MS)

Frente à notícia de despejo iminente, mais de 50 famílias Guarani-Kaiowá passaram a clamar desesperadas por justiça no estado do Mato despejo5Grosso do Sul (MS). Um pedido da suspensão da liminar de despejo, peticionada pela procuradoria da Funai, encontra-se nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Agora está com o presidente da Corte Suprema o poder de evitar mais uma tragédia anunciada contra os indígenas de Kurusu Ambá, tekoha – lugar onde se é – localizado nas imediações do município de Coronel Sapucaia, no sul do estado do MS, já na fronteira com o Paraguai.

Lembranças de sofrimento, dor, mortes, expulsões forçadas e vidas despedaçadas nas beiras das rodovias pesaram novamente na memória e no coração de cada um dos indígenas de Kurusu Ambá. Segundo o depoimento dos Guarani-Kaiowá, na última sexta-feira, dia 06 de março, sem consultar a Funai, órgão indigenista oficial, delegados da Polícia Federal acompanhados de um grupo de policiais se dirigiram até a terra indígena e anunciaram que o despejo da comunidade estaria marcado para o dia 16 de março, próxima segunda-feira. Os indígenas anunciaram ainda que segundo os próprios policiais, os delegados regressarão à comunidade no dia 12 de março, quinta-feira, com o intuito de convencer os Guarani-Kaiowá a se retirarem por “vontade própria” da terra que ocupam.

Frente a esta situação, o rezador da comunidade, Yvyra’ijá, de 65 anos, declarou: “Eles já sabem qual a nossa posição. Todos sabem. Nós não podemos sair, esta é nossa terra, estamos aqui porque lá onde estávamos morrendo de fome enquanto usavam de nossa terra. Só queremos nosso espaço para plantar mandioca e ter direito a uma vida digna. Não nos moveremos porque não podemos, buscamos apenas o que é nosso, retomamos aqui porque sabemos que aqui é nosso, está lá nos estudos, a Funai já estudou, é só olhar. Retomamos este lugar em especial porque esta é nossa terra mãe, nossa terra tradicional. Respeitamos a Constituição, e só entramos onde é nosso de verdade. É muito duro para mim que sou velho ver as leis de um país que tanto amamos, nos tratando tão mal. Eles vão expulsar de novo nós que somos velhos e nossas crianças? Resistiremos. Resistiremos aqui porque não temos opção. Só sairemos daqui mortos, porque a estrada para nós significará morte também”. Acompanhe matéria detalhada sobre o caso dos Guarani-Kaiowá de Kurusu Ambá aqui (http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7739)despejo2.

A decisão de despejo foi concedida no final do ano passado e é baseada essencialmente na interpretação referente ao marco temporal. Esta interpretação tendenciosa da Constituição tem sido utilizada pelos ruralistas para tentar restringir a demarcação à luz do que se refere o trecho da própria decisão do julgador: “E, não bastasse, é de se constar também que o reconhecimento do direito dos indígenas a terras que tradicionalmente ocupassem estaria condicionada à sua habitação ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988, marco temporal condicionante estabelecido pelo STF, por ocasião do julgamento da PET nº 3388 (caso Raposa Serra do Sol), e reafirmado pela 2ª Turma do Pretório Excelso, quando do julgamento do RMS nº 29087/DF, em 16.09.2014.”

O detalhe é que no julgamento da área em questão, a Raposa Serra do Sol, o próprio relator do caso, o ex-ministro do STF, Ayres Britto, definiu que as condicionantes estabelecidas não tinham o caráter vinculante com demais decisões tomadas em relação a outras terras indígenas. Na verdade, enquanto os procedimentos de demarcação das terras indígenas encontram-se paralisados em âmbito nacional desde 2013, os ruralistas têm se movimentado a todo momento para reduzir territórios, em benefício do agronegócio, e alterar os procedimentos demarcatórios por meio de inúmeras proposições legislativas e/ou administrativas, como a PEC 215/2000, a Portaria 303/2012 da Advocacia Geral da União (AGU), o PLP 227/2012 e, mais recentemente, através da incidência em instâncias judiciais às quais têm acesso.

A procuradoria da Funai ingressou com o pedido de suspensão da liminar de despejo no STF e espera-se que justiça seja feita, garantindo aos indígenas um julgamento justo, baseado nos preceitos constitucionais ao invés de ter como base teorias impulsionadas pelo ímpeto do ruralismo.
Hoje, sobre a terra de Kurusu Ambá, existe vida, pintada e simbolizada através do plantio, da casa de reza, da escola, do sorriso das dezenas de crianças que lá vivem falando sua língua e vivendo sua cultura, das práticas tradicionais, dos costumes deste povo que vive na esperança de ter o procedimento demarcatório de sua terra tradicional finalizado.

Somente a demarcação deste território ancestral poderá trazer um fim definitivo ao sofrimento que os acompanha há muitas décadas. É preciso lembrar que nos últimos sete anos, o povo de Kurusu Ambá assistiu a mais de dez de suas lideranças serem assassinadas na luta pela retomada de sua própria terra, e que, em consequência direta da paralisação dos estudos demarcatórios, a mesma comunidade assistiu também há muitas outras mortes, sobretudo de crianças, vitimadas pela fome e pela desnutrição. Este número poderá aumentar caso esta decisão temerária de despejo não seja revertida, uma vez que a comunidade indígena já anunciou que prefere morrer a ter de deixar seu território novamente. Na última ordem de despejo contra uma terra indígena, executada pela Polícia Federal no MS, houve resistência e Oziel Gabriel, jovem Terena, acabou assassinado.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) em solidariedade ao sofrimento das famílias Kaiowá faz coro ao pedido por um julgamento justo, baseado nos preceitos constitucionais ao invés de interpretações equivocadas. Esta nas mãos do STF garantir que a justiça vigore sobre a força e a vida vigore sobre a morte. Só a Corte Suprema pode impedir que a violência siga sendo a lei mais forte no estado do Mato Grosso do Sul.

Fonte: CIMI – http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=8013&action=read

[Chile] Porque como anarquistas apoiamos a luta autônoma do povo mapuche

O conflito entre o Estado chileno e o Povo Mapuche nasce com a própria formação e imposição do Estado. E se agudiza com o estabelecimento de assentamentos fortemente militarizados no território do Povo Mapuche: o Wallmapu. Estes assentamentos trouxeram consigo a imposição da cultura ocidental através de sangue e fogo, exterminando os habitantes autóctones da zona.

Desde os anos 90 à atualidade, a luta do Povo Mapuche têm buscado diversas formas de combater o Estado e o capitalismo. A miséria, a fome, a injustiça e a desigualdade econômica nas zonas ao sul do Chile têm demonstrado que o inimigo não é só o Estado/nação, senão que também é o sistema capitalista no qual habitamos. São justamente, estes pontos os que iremos desenvolvendo ao longo deste texto, com o fim de responder a nossa inquietude: Como anarquistas apoiamos a luta do Povo Mapuche?

amapuchesNós afirmamos que sim, apoiamos esta luta. Em primeiro lugar, devido a que nossos inimigos são os mesmos. Na atualidade, várias comunidades mapuches têm identificado como seu principal inimigo o capitalismo e suas instituições, esclarecendo como suas lógicas levam o mundo ao colapso.

Embora nós não possuímos a mesma cultura nem cosmovisão e temos certas apreensões com suas formas organizativas, compartilhamos a mesma necessidade de soberania e autodeterminação. Por isso que, nos identificamos com a busca do controle tanto de nossas vidas como de nossos territórios.

Para sermos mais claros, o Povo Mapuche tem notado, da mesma forma que o pensamento ácrata, a relação direta que tem para a implantação do capitalismo, o surgimento do Estado moderno. Não há que esquecer que a consolidação dos Estado/nação latino-americanos esteve nas mãos de sangrentas guerras contra os territórios indígenas que conseguiram manter autonomia no período colonial, como por exemplo o Wallmapu.

A estratégia mapuche tem direta relação com a autodefesa – ou resistência -, uma luta por recuperar e defender suas terras, terras que pertenceram a seu povo ancestralmente. O ataque às empresas florestais na Araucanía tem que ver diretamente com o rechaço à exploração brutal da terra por parte do empresário. Esta exploração se consuma na introdução de espécies estranhas, como o Eucalipto e o Pinho¹ e o mono-cultivo após sua plantação, o qual traz consigo nefastas consequências para o ecossistema do Wallmapu. Por sua
vez, o Estado chileno subvenciona as empresas florestais pela plantação destas árvores, confundindo a restauração de bosque nativo com a exploração da terra². Em efeito, a indústria florestal é uma das indústrias mais importantes dentro da zona, no entanto, é uma das mais daninhas no Wallmapu. Por trás disto se encontram as causas da marginalização e pobreza do povo mapuche, que por culpa destas empresas se viram deslocados de suas terras ancestrais e obrigados a situarem-se em outros setores menos produtivos.

Por outro lado, o lugar que toma o Estado dentro deste conflito, tem diretamente que ver com sua própria natureza. O Estado busca o controle e a administração de nossas vidas, para proporcionar-nos uma “liberdade” de submissão e obediência³, estabelecendo um marco jurídico-legal que delimita um território no qual reclama ter o monopólio da violência. Ou seja, qualquer indivíduo, coletivo e/ou comunidade que resista a sua ordem se transforma em um/a inimigx e o Estado buscará anulá-lo por meio de repressão e sua legalidade irracional. O Povo Mapuche se tem dado conta que o capitalismo – e seu Estado-nação – impõe um sistema que os marginaliza e impõe as lógicas mercantis, rompendo com suas tradições ancestrais – e o que é mais grave ainda, sua própria autonomia.

Enfim, nós como anarquistas, apoiamos a luta do Povo Mapuche, porque nossos inimigos são os mesmos. E aí estaremos, sempre que nos necessitem: com nossa presença, com a difusão de propagandas e comunicados e com tudo o que seja necessário para prejudicar a nossos inimigos e resistir a seus ataques. Por nossa liberdade e autonomia. Como companheirxs, não como guias nem especialistas. As receitas não as temos. Apostamos que a solidariedade é necessária para a luta contra a totalidade que é o capitalismo mundial. A diversidade de lutas em convergência é uma força inesgotável, que não poderão parar. Os processos já foram iniciados e é responsabilidade nossa
fazer desta, nossa história.

Nossa convergência e união é: nossa resistência e nosso ataque.

*Colectivo La Peste*
http://lapeste.org

*Notas:*

[1] Estas árvores requerem um grande consumo de água, secando rios. Por sua vez, que o monocultivo e o uso indiscriminado do solo (sem dar-lhe descanso) gera erosão e contaminação da água, tornando improdutiva a terra para tarefas agrícolas.

[2] “O Decreto de Lei 701 estabeleceu um subsídio de 75% do investido em plantações florestais, abriram-se créditos especiais e isenções tributárias (liberação de impostos), grande quantidade de solo passou a ser decretado de uso preferencialmente florestal, vendo-se seus donos obrigados a plantar e reflorestar, mais ainda se estabeleceu sanção a quem investir estes dinheiros em agricultura ou pecuária. A atividade florestal passou a ser considerada uma atividade social muito lucrativa.” Em:
http://www.resumen.cl/index.php?option=com_content&view=article&id=5805:ley-de-fomento-forestal-ano-decisivo-para-la-agricultura-chilena&catid=16:ecologia&Itemid=60

[3] Weber indica que o Estado é uma relação de dominação de homens sobre homens por meio de uma violência legitimada socialmente. O político e o científico. Alianza Editorial, 2003. p. 84

Tradução > Sol de Abril

*agência de notícias anarquistas-ana*

Na noite sem lua
o mar todo negro
se oferece em espuma
Eugénia Tabosa

(VÍDEO) Povos indígenas e a ditadura militar

Após pressão de organizações de direitos humanos, o Grupo de Trabalho Indígena é incluido nas investigações da Comissão Nacional da Verdade (CNV), trazendo à tona uma realidade desconhecida da sociedade brasileira: os povos indígenas foram um dos grupos mais atingidos pela ditadura militar no Brasil. Massacres, escravizações, prisões clandestinas, torturas, estão entre as denúncias apuradas pelo recem encontrado “Relatório Figueiredo”.
Como se aplica à história desses povos os conceitos de Verdade, Memória e Justiça do estado de direito democrático brasileiro?

Sobre o Relatório da Comissão Nacional da Verdade e Povos Indígenas

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em parte é uma vitória dos movimentos sociais, particularmente dos movimentos que puseram em discussão a questão indígena. Ele ratifica o que os movimentos indígenas e comitês locais já apontavam: os povos indígenas são as maiores vítimas da ditadura militar no Brasil e somam ao menos 8.350 mortos. E mais, o relatório reafirma que são mortos e desaparecidos políticos, pois lutavam para gerir autonomamente seus territórios. É também muito feliz a colocação de que o Estado Brasileiro deve garantir a reparação, especialmente devolvendo os territórios invadidos pela grilagem de terras.
Por outro lado, o relatório é uma radiografia fiel dos preconceitos que atravessam ditaduras, democracias e governos populares. O exemplo mais infeliz disso está na página 684 do relatório, quando se discute a guerrilha do Araguaia. Ali se lê, com todas as letras, o seguinte:
“prevaleciam na região as zonas de mata fechada e as áreas ainda inexploradas pela ocupação humana (em parte devido à presença maciça de povos indígenas na região)”. 
 

Waimiri-Atroari Desaparecidos na Ditadura

Waimiri-Atroari Desaparecidos na Ditadura

A oposição que se faz entre ocupação humana e ocupação indígena, muito comum na Academia e no Jornalismo, é a mais fiel demonstração da limitação de raciocínio que o preconceito promove nos indivíduos. Neste caso o preconceito é tamanho que a própria condição humana é negada aos indígenas de tal forma que não se reconheça de forma integral as graves violações de direitos humanos cometidas contra estes povos.
O infeliz preconceito se repete na distinção que se faz entre moradores e indígenas (na página 717 do relatório) e nas listas de desaparecidos onde não se vê os nomes dos Waimiri-Atroari, Kaiowá, Tenharim… E não é por falta de nomes, pois o comitê do Amazonas listou dezenas de nomes entre os mais de 2000 mortos do povo Waimiri-Atroari.
O relatório foi entregue, mas o Brasil ainda não fechou essa página sangrenta de sua história. É preciso que se esclareça cada uma das mortes, não podemos esquecer ninguém. A luta dos povos indígenas continua, é o legado dos que já se foram, sujeitos políticos que fizeram, fazem e continuarão fazendo histórica de luta sobre e pela terra.
Agora será preciso uma Comissão Multicultura da Verdade, pois ninguém pode ser esquecido!

Índios desfilam com homem pendurado no pau de arara durante cerimônia de formatura da Guarda Rural Indígena

Soldados da Guarda Rural Indígena desfilam com outro índio pendurado no pau de arara durante cerimônia de formatura, 1970

 

Manaus, 10 de dezembro de 2014.
Maiká Schwade.
Fonte: Urubuí

Carta de Jairo Saw – liderança do Movimento Ipereg Ayu

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Somos povos nativos da floresta Amazônica, existimos desde a origem da criação do mundo, quando o Karosakaybu nos transformou do barro (argila) e nos soprou com a brisa do seu vento, dando a vida para todos nós. Desde o princípio conhecemos o mundo que está ao nosso redor e sabemos da existência do pariwat (não-índio), que já vivia em nosso meio. Éramos um só povo, criado por Karosakaybu, criador e transformador de todos os seres vivos na face da Terra: os animais, as florestas, os rios e a humanidade. Antes, outros povos não existiam, assim como os pariwat não existiam.

O pariwat foi expulso do coração da Amazônia, devido ao seu pensamento muito ambicioso, que só enxergava a grande riqueza material. Portanto, a sua cobiça, a sua ganância, a sua ambição, o seu olho grande despertou o grande interesse econômico sobre o patrimônio que estava em seu poder. Não pretendia proteger, guardar, preservar, manter intactos os bens comuns, o maior patrimônio da humanidade, e isso despertou o seu plano de destruição da vida na Terra. Por isso, o Karosakaybu achou melhor tirar a presença do pariwat deste lugar tão maravilhoso, onde há sombra e água fresca.

Nossos ancestrais, no decorrer do tempo, nos transmitiram oralmente esses relatos sobre a vinda dos pariwat, oriundos de outro continente, a Europa. Contaram-nos que um dia chegariam a esse paraíso onde nós estamos. Hoje podemos presenciar os fatos sendo consumados.

O pariwat chegou, depois de viajar pelo mundo em busca de especiarias, produtos, mercadorias. Foram ampliando a expedição, em busca de conhecer outro mundo ou outra terra. Viajavam em caravelas até chegar ao chamado “novo continente”, que se conhece hoje como continente americano, onde está o Brasil, desde o século XIV.

Nossos avós diziam que, quando os pariwat chegassem até o nosso território, eles iriam tomar nossas terras, nossas mulheres, nossas crianças. Iriam nos matar, não nos poupariam vidas para possuir tudo aquilo que nos pertence: a nossa riqueza, os bens que possuímos, incluindo a nossa cultura, a forma como vivemos.

Invadiram nossa terra, muitos de nossos parentes foram massacrados, assassinados, foram submetidos à tortura e foram usados nos trabalhos forçados, servindo de mão de obra escrava.

Já no século XXI, na era contemporânea/continuamos sendo oprimidos, como nos tempos passados. Apesar de termos alcançado várias conquistas e garantido nossos direitos específicos e diferenciados na Constituição Federa” ainda assim esses direitos não são respeitados e reconhecidos. Hoje se utilizam do poder para impor o lema do “progresso e desenvolvimento”, a base da bandeira nacional: “ordem e progresso”. Tudo em nome do capital.

No primeiro momento, o objetivo era seguir exatamente como está escrito no símbolo da bandeira: pôr em ordem, organizar a política da sociedade civil. As leis estão organizadas desde o princípio, elas não devem ser mudadas, o que se deve fazer é cumprir e obedecer.

Nós, Munduruku, obedecemos leis e, embora não se encontrem escritas em nenhum arquivo, as conhecemos há milhões de anos e até hoje cumprimos essas leis.

A natureza tem leis e devem ser obedecidas. Se nós violarmos suas regras, ela se vingará e sofreremos as conseqüências. As leis estão em ordem, não devem sofrer interferência alguma.

Os “civilizados” escreveram leis e, a despeito delas, usam o poder para oprimir as pessoas que julgam ter menos conhecimentos. Não reconhecem os seus direitos, chegam até a intimidar, a ponto de ficarem submissas. A razão é dada apenas por um individuo ou classe com maior poder econômico.

Os “civilizados” dariam bom exemplo de cidadão pleno e letrado para as pessoas humildes, porque a lei foi feita por causa das injustiças criadas pelos pariwat de outro continente. Justiça é saber o que é certo e o que é errado, sem favorecer a um ou a outro, a balança não deve pesar nem para a direita e nem para a esquerda.

Existe uma haste entre os dois pratos da balança e a justiça deve ser feita para o cumprimento da lei, deve ser obedecida e aplicada a quem tentar infringi-Ia. Então, ao surgir a lei escrita, ela desvendou os nossos olhos, passamos a enxergar as coisas erradas dos pariwat a nosso respeito. Os nossos direitos estão em jogo. Falam tanto a nosso respeito, somos tratados como empecilhos para o desenvolvimento econômico do país. Mas nós não somos contra o desenvolvimento, o que queremos é que sejamos respeitados e que nossos direitos como indígenas sejam reconhecidos. A Constituição diz que é dever do Estado proteger, demarcar os territórios, garantir a segurança, respeitar as formas próprias de organização social e as culturas diferenciadas, por isso queremos respeito. Até a nossa crença, a nossa religião deve levar em consideração o modo como vivemos.

Respeitamos sempre a natureza, ela é de suma importância para nós e é essencial para a vida no planeta. Nós estamos preocupados com o equilíbrio do clima, com as mudanças climáticas. Resta apenas uma parte da floresta que está dando vida ao planeta chamado Terra e a seus habitantes. Esta pequena parte tornou-se alvo da ganância do pariwat.

Nós percebemos que os países ricos queriam levar o chamado “desenvolvimento” para o coração da Amazônia. Não levam em consideração os povos nativos desse continente, que estão aqui há milhares de anos. Estamos lutando, resistindo, protegendo com unhas e dentes esse nosso patrimônio, mas ninguém ouve nossos gritos de socorro em prol da vida no planeta. Sabemos que a vida dos pariwat também está em risco e não estamos apenas nos defendendo: estamos defendendo

toda a vida, toda a biodiversidade.

Existem tantos cientistas que estudam os fenômenos da natureza e alguns devem estar percebendo as mudanças climáticas, dia após dia, ano após ano. Em outros países vemos as conseqüências dos impactos causados pela ação humana. As conseqüências estão sendo sentidas e estão fora da normalidade. A natureza está sofrendo alterações no seu funcionamento, que vão além da sua capacidade, ela já não está suportando a pressão causada pelos humanos.

Alguns exemplos dessa pressão são: poluição do ar produzida pelas grandes fábricas e indústrias, automóveis, desmatamento, explosão de dinamites, dentre outros. A natureza não consegue transformar o oxigênio para devolver para nós, porque a impureza do ar contaminado é maior do que a sua capacidade. O acúmulo de ar poluído torna-se pesado para as árvores. É notado isso claramente nas leis da física.

As árvores não conseguem absorver todo esse ar impuro. O peso do ar não é visto por nós, mas percebemos através do aquecimento. Em algumas regiões, o clima é seco e quente, geralmente as fontes de água secam, secam as relvas, assim como as folhas das árvores caem e os animais não conseguem encontrar abrigos e alimentos. Por falta de vegetação, o equilíbrio está ameaçado, colocando em risco a vida dos homens e dos animais. Não há mais vapores de água produzidos pelas árvores, pela manhã não há gotas de orvalho. Nas grandes cidades, o clima não é diferente. Para dizer a verdade.ias pessoas estão sedentas, cansadas, querem sentir a brisa de ar frio pela manhã. No interior das casas, seja de noite ou de dia, o ambiente não é favorável, já é quente.

Outro fator de alto risco é o acúmulo de gás poluente, as fumaças das grandes queimadas, que chegam e se alojam na camada de ozônio. Muitas vezes chegam pouco a pouco de algumas regiões e outras vezes chegam em grandes quantidades, aumentando a extensão do volume de gás poluente, rompendo a barreira de proteção da filtração de raios solares em direção à terra. Nem podemos imaginar a causa disso.

Pode ser que digam que isso é o aquecimento global ou o efeito estufa, prejudicial à nossa saúde.

Todo mundo sente e vê os impactos dos fenômenos estranhos decorrentes da mudança da natureza. Em alguns países vemos terremotos, enchentes, secas, doenças, tsunamis, acidentes, maré alta, vulcões, chuvas com raios e trovoadas. Tudo isso é conseqüência causada pelas mãos dos homens. Eles estão desequilibrando o equilíbrio do ecossistema. Estão colocando em risco a vida da humanidade. O planeta todo vai ao caos.

Alguns estudiosos, como astrônomos, físicos, meteorologistas, que entendem de ciências naturais, podem explicar melhor cientificamente, tecnicamente e filosoficamente. A natureza tem uma lei. Ela age e faz acontecer tudo naturalmente, sem que o homem interfira.

Mas essa lei não é obedecida, é desobedecida. Dá pra entender que temos leis (Constituição) para nos punir. Do mesmo modo, a natureza nos pune. Temos capacidade além da natureza, mas nunca vamos entender as suas ações.

A Terra está sofrendo impactos, está sendo tirada a sua cobertura (vegetação), seu teto destruído (camada dê ozônio), alterada a sua fonte de vida (água) e todas as formas de vida. A sua estrutura sólida, que é a base de sustentação das rochas, solos e águas, está sendo destruída com explosão de dinamites. O lençol freático, com a base rompida, poderá abrir frestas e a água potável poderá secar o seu leito. A rocha, após sofrer explosões, elas racham, se quebram, rompem, se afastam uma das outras. Ela não vai estar sólida.

Na superfície da Terra, quando é provocada a estrutura que sustenta a camada externa, com o tremor, a tendência da vida externa é sofrer impacto. Logo se abre a abertura numa determinada camada da terra, causando a erosão, a fratura da base subterrânea. Começa a encontrar um caminho para o fundo da terra, através das enxurradas penetram as águas potáveis, poderá secar a fonte de água doce, com rompimento das camadas de rochas.

Nosso receio é a liberação de gás prejudicial à vida dos seres humanos. O próprio vulcão inativo se ativará. Será um desastre não só para a Amazônia, o mundo todo sofrerá calado. Ao ser liberado o calor dos vapores do vulcão, quando a água penetrar pelo canal aberto até o manto, o calor através de vapores do contato com a água, o ar será aquecido, sendo prejudicial à vida existente no planeta terra.

Será que o mundo vai permitir esse genocídio que está sendo anunciado com a decisão do governo brasileiro de construir grandes hidrelétricas na região amazônica, causando impactos irreversíveis para toda a humanidade? É a vida na Terra que está em perigo e nós estarnos dispostos a continuar lutando, defendendo a nossa floresta e os nossos rios, para o bem de toda a humanidade. E vocês? Vocês estão dispostos a ser solidários nessa luta?

Foto: Maurício Torres

Chamado contra Belo Monte – Um Genocídio Energético

Em 10 de Dezembro de 2014 – Dia Internacional da Luta Contra Belo Monte

Um enorme buraco em meio a floresta irá servir ao mesmo tempo de berço para o progresso estatal e capital, e túmulo para os povos indígenas do Xingu e Tapajós. A usina hidroelétrica de Belo Monte segue sendo construída a despeito de seus terríveis impactos e sua ineficiência sazonal. O fundamentalismo energético capitalista não cessa de colocar em risco o futuro das gerações vindouras dos povos ameríndios no Brasil.

A construção de Belo Monte anuncia não uma guerra, mas o assassinato premeditado de modos de vida milenares desenvolvidos em relação e harmonia com as cheias e secas dos rio Xingú, a vastidão viva da floresta amazônica, o respeito da diferença em toda suas diferentes formas e expressões.

A violência da civilização industrial não conhece limites.

Para além das propagandas, o estado brasileiro ergue Belo Monte para cumprir seus acordos sujos com grandes construtoras, (CCBM, Norte Energia entre outras) que atualmente financiam as campanhas do Partido dos Trabalhadores. Este governo como qualquer outro ambiciona mais impostos, planejando futuros parques industriais e zonas francas, a instalação de grandes minerações (Projeto de Volta Grande da Belo Sun Mining corporação canadense de extração de ouro e outros metais) e indústrias metalúrgicas altamente poluentes nas proximidades e mesmo dentro das terras indígenas.

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Munduruku paralizam retroescavadeiras em ocupação do pátio de obras da usina de Belo Monte para protestar contra a sua construção em 8 de junho de 2012.

O projeto de Belo Monte foi elaborado no último período ditatorial. Nos últimos governos este projeto foi resgatado e vem sendo implementado da forma mais autoritária possível por um regime pretensamente democrático. A exigência por justiça dos povos indígenas nos faz lembrar que este estado de direito é uma falácia e que não há diferença alguma entre as políticas dos ditadores em relação àquelas dos seus predecessores democratas.

Belo Monte é apenas uma das muitas covas cravadas no futuro dos indígenas, muitas outras hidroelétricas seguidas de polos industriais estão sendo planejadas para os próximos anos. Os PAC – Planos de Aceleração do Colapso – são parte do IIRSA – Iniciativa para Integração da Infraestrutura Física Sul-Americana – uma infinidade de mega-obras voltadas para o aumento da produção capitalista nos países sul-americanos, sempre em detrimento da vida de milhões de pessoas, afetando principalmente as populações indígenas e ribeirinhas.

Mulher Kaiapó acerta rosto de tecnocrata com um talho de facão. Lembrando a eles que não são inatingíveis.

Em 1989  mulher Kaiapó acerta rosto de tecnocrata da Eletronorte com um facão. Lembrando aos inimigos da floresta que não são inatingíveis.

Munduruku, Kayapó, Xikrin estes e muitos outros povos – tanto no Xingú como por todo mundo – estão se mobilizando contra às forças que operam pela construção da represa de Belo Monte. A imagem do machete da mulher Kaiapó no rosto do engenheiro nos recorda que o amor não implica em pacifismo, mas sim na luta pelo futuro de quem que se ama.

No interior destas corporações e empresas envolvidas na construção de Belo Monte, assim como em iniciativas similares, estão investidores, articuladores e tecnocratas – homens e mulheres a serviço do fundamentalismo energético, buscando lucro acima da vida, pessoas com endereço, nome e sobrenome.

Este é um chamado para a guerra contra Belo Monte, um chamado para o ataque de seus perpetuadores. Lutar contra Belo Monte, lutar contra o genocídio significa mostrar a estas pessoas e a estas empresas, que não se encontram além das conseqüências de suas escolhas, que a violência industrial que lançam sobre a floresta, pode justamente se voltar contra elas.

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Com lanças e flechas kaiapós entram no pátio de obras da Usina de Belo Monte e declaram guerra aos assassinos dos povos da floresta.

Para contribuir com esse chamado á guerra, colocamos aqui uns links onde se pode encontrar esses nomes, sobrenomes, endereços de pessoas e entidades responsáveis pela destruição do Xingu e Tapajos, seus diversos habitantes.

http://norteenergiasa.com.br/site/noticias-home/

http://www.belosun.com/Corporate/Board-of-Directors/default.aspx

http://www.belosun.com/Investors/Presentations/default.aspx: aqui o plano de exploração de minas de ouro na região do Xingu, plano feito em colaboração e coordinação com usina do Belo Monte.

http://blogbelomonte.com.br: blog da Belo Monte

Davi Limeira de Oliveira, Kaingang de 22 anos foi assassinado em Vicente Dutra.

Por Bernardo Jardim Ribeiro

Segundo informações repassadas por lideranças indígenas, o professor Davi participava de um evento festivo no município de Vicente Dutra na noite de sexta-feira, 07, de novembro. Por volta de 1h da manhã ocorreu uma pequena confusão entre alguns participantes. Davi foi envolvido e acabou sendo esfaqueado pelas costas. Teve os pulmões perfurados e veio a falecer quase que instantaneamente. (info do CIMI).

Esta claro que esse “acontecimento” não é casualidade. Segundo as informações das lideranças kaingang, a pessoa que assassinou Davi foi mandada e paga por “outra pessoa”. Como tentativa de desarticulação de uma luta pela terra e de amedrontamento, matando para ameaçar, escondendo os motivos do assassinato trás de “incidentes”, os políticos e pistoleiros, políticos pistoleiros do interior estão usando os mesmos velhos métodos colonialistas para acabar com intuitos de rebeldia. Davi era um professor bilíngue, ensinava aos kaingang a falar e escrever na sua própria língua, o que, por muito surreal que pareça, representa um perigo para os mecanismos de controle do estado.

Porém, frente a isso, os kaingang seguem firmes. O único que o governo consegue através desse tipo de pratica etnocida é a perda da sua credibilidade e “confiança” que se esforçaram em inculcar nos povos indígenas através de tantos anos de assistencialismo, paternalismo, patrocinado por uma política bienestarista, buscando tornando os indígenas, “cidadãos” cada vez mais dependentes do Estado.

Como dizem os guerreiros kaingang: “Nos, Kaingang, não temos medo de morrer, temos medo de ser esquecidos”. Difundido o assassinato de Davi, pretendemos não deixar que ele seja esquecido. Apelamos à solidariedade com o povo Kaingang com todas as formas possíveis…

Força aos guerreiros kaingang de Rio Dos Indios! Estamos juntxs!

Assista o documentário “Escolarizando o Mundo”

O filme examina o pressuposto escondido da superioridade cultural por trás dos projetos de ajuda educacionais, que, no discurso, procuram ajudar crianças a “escapar” para uma vida “melhor”.
Aponta a falha da educação institucional em cumprir a promessa de retirar as pessoas da pobreza — tanto nos Estados Unidos quanto no chamado mundo “em desenvolvimento”.
E questiona nossas definições de riqueza e pobreza — e de conhecimento e ignorância — quando desmascara o papel das escolas na destruição do conhecimento tradicional sustentável agroecológico, no rompimento das famílias e comunidades, e na desvalorização das tradições espirituais ancestrais.

Finalmente, ESCOLARIZANDO O MUNDO faz um chamado por um “diálogo profundo” entre as culturas, sugerindo que nós temos, ao menos, tanto a aprender quanto a ensinar, e que essas sociedades sustentáveis ancestrais podem ser portadoras do conhecimento que é vital para nossa própria sobrevivência no próximo milênio.

Vejam! Os brancos nos matam com papéis!

por Frente Anticolonial de Libertação da Terra

Neste continente, nenhum sentimento de revolta é mais legítimo que o das populações ameríndias.

Como se não bastasse a violência colonial, estas populações sobreviventes de tantos massacres, guerras e epidemias tiveram que suportar nas últimas décadas a hipocrisia das “lições de moral” emitida por estados nacionais e elites genocidas.

Mentiras sádicas como “o mito da democracia racial”, e o “respeito governamental pela diversidade cultural” continuam a ser ensinadas para as crianças indígenas em escolas bilíngues, enquanto isso seus territórios seguem sendo ocupados, jovens indígenas engrossam as fileiras dos exércitos de mão de obra barata e dispensável – no chão das fábricas e nas frentes de trabalho nas monoculturas – nos cantos esquecidos do país, uma geração de índios após a outra (como os brancos e negros pobres) está cada vez mais habituada com a escravidão assalariada.

Neste continente, há mais de 500 anos, a estratégia colonial de dominação faz uso tático da distração através da crença de que folhas brancas de papel com marcas de tinta negra são sagradas se contiverem “assinatura”, “timbre”, reconhecimento e carimbo de autoridades. São inculcadas pelas elites coloniais brancas a brancos pobres, a índios e a negros, o engano de que com isto a que chamam “documentos” é possível garantir “direitos”. Que “direitos” vem com o que chamam de “deveres”. Nunca jamais lhes é dito que “dever” é o mesmo que “dívida”, e que “dívida” há milhares de anos, em impérios e civilizações diferentes foi e segue sendo um mecanismo de escravidão.

Os históricos desrespeitos de acordos estabelecendo sucessivas demarcações no Brasil mostram que esta é apenas uma crença para iludir os setores dominados. Sempre que lhes convém, sempre que lhes fosse rentável – governantes, latifundiários e empresários – passaram por cima dos documentos assinados como se não existissem para – assim que a poeira baixasse – propor novos acordos, sugerir novos documentos. Outras crenças utilizadas contra populações submetidas tratam-se da suposta validade de “reuniões” e “visitas” de “autoridades”, “promessas de políticos”, instituições de “secretarias estaduais” e “fundações nacionais”. Maquinações que na aparência se davam para a proteção do interesse dos povos indígenas, tinham como intenção real servir de mecanismo de distração de controle. Exemplos disso no Brasil são o Serviço de Proteção do Índio e sua filha bastarda, a FUNAI.

Estas distrações há muito tempo servem para esconder as tantas orgias administrativas de burocratas parasitas, os muitos massacres silenciados que durante décadas a se perder na história sofreram os povos ameríndios. Se indígenas no contexto brasileiro tivessem de fato uma educação escolar que fosse autônoma, que fosse sua, suas crianças aprenderiam a ler e falar na língua portuguesa a partir de trechos do “relatório figueiredo”. [1]

Mas a consciência é difícil de se apagar entre os povos que há mais de 500 anos resistem e lutam. Sempre haverá quem nunca é enganado por mentiras, e foi com uma frase simples que um ancião deu aos mais jovens seu entendimento sobre esta questão. “Abram os olhos, os brancos nos matam com caneta e papel”.

Para além dos aparatos de distração em massa é preciso enxergar o sistema capital colonial como ele de fato se dá:

I) com base na expropriação e concentração dos recursos na mão das elites.

II) buscando sempre dividir e distrair para conquistar e se perpetuar.

III) corrompendo lideranças indígenas, buscando de todas as formas criar elites indígenas.

IV) submetendo sempre que possível a maior parte à regimes de dívida e escravidão assalariada.

É preciso nunca esquecer que esta máquina desumanizante não pode ser reformada. Ela precisa ser combatida até sua total abolição. A única resposta válida – na busca pela libertação – é se reivindicar anticapitalista, antiestatal e, num nível mais profundo, anticivilizador. Não são poucos grupos que em diferentes continentes se colocam de pé ao se apropriarem desta perspectiva. A história nos mostra que não foram documentos que garantiram a existência da maior parte das terras, e não vão ser papéis como decretos e convenções que salvaguardarão e dignidade das futuras gerações de índios. Somente a brava luta dos povos, apenas a corajosa busca pela destruição deste sistema pode levar à emancipação.