Durante todo o dia, famílias indígenas Guarani Mbyá chegaram à área da Fundação Estadual de Pesquisas Agropecuárias (FEPAGRO) no município de Maquiné-RS. Reivindicando esta área como parte de território tradicional ancestral, desde ontem um grupo deste povo está acampado na fundação, que recentemente foi extinta pelo governo do estado.
Uma das lideranças mbyá presentes explicou a necessidade de retomar os territórios onde viviam seus antepassados pelo futuro das crianças mbyá, lembrando que não são os Guarani que vivem em desequilíbrio com a natureza”
“Nós vivemos com a natureza. Nossos ancestrais viveram aqui durante muitos anos e depois os massacraram. Agora nosso futuro são as crianças. As crianças daqui pra frente vão se criando, nós pensamos para o futuro.” – Líder Guarani
Após passarem a noite acampados, um grupo formado em grande parte por jovens e crianças, foi até o escritório administrativo da FEPAGRO, utilizando estas dependências para ter acesso a eletricidade e à água.
Segundo os próprios guarani mbyá, o diretor da unidade Rodrigo Favreto esteve pela manhã deste sábado entre os indígenas e afirmou que acreditava que sua demanda era legítima, e não um “caso de polícia”. Mas ainda assim, disse que precisaria reportar as autoridades o ocorrido por conta de qualquer possível dano ao patrimônio. Os indígenas afirmam que não possuem interesse em danificar o patrimônio da extinta fundação, sua luta é por seu território ancestral.
Após convidarem os parentes de outras localidades a se unir a eles na luta por esta terra através de um vídeo postado na internet, as lideranças do grupo mbyá pediram auxílio a todos os apoiadores e apoiadoras de sua causa, afirmando que precisam de lonas, ferramentas e alimentos para que sigam acampados. Solicitaram ainda aos meios de informação – em especial às mídias alternativas – que sua história seja divulgada.
Pela tarde, uma equipe da rádio local esteve no acampamento pedindo uma entrevista sobre o assunto, e vizinhos, amigos e apoiadores da causa indígena de diferentes localidades, visitaram o acampamento na unidade da FEPAGRO em Maquiné, levando mantimentos.
Vindos de diferentes localidades grupos e famílias do povo indígena Guarani Mbyá se reuniram nesta tarde, para retomar parte de seu território tradicional, no município de Maquiné, Rio Grande do Sul, no sul do Brasil.
A área de 300 hectares que estava ocupada há décadas por uma unidade da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Sul, foi retomada sem violência pelos Guarani Mbyá que estão agora nela acampados. A FEPAGRO foi uma das fundações recentemente extintas pelo governo do estado do Rio Grande do Sul.
Formado por oitenta pessoas, entre homens, mulheres e crianças de diferentes faixas etárias, o grupo pretende permanecer acampado na área até que seja reconhecida sua demanda.
Líderes presentes afirmaram que estão cansados de esperar que suas demandas pela demarcação de suas terras tradicionais sejam atendidas pelo governo. Diante da morosidade das autoridades competentes, os Guarani Mbyá decidiram em conjunto retomar esta terra que foi de seus antepassados massacrados pelas frentes de colonização, para que seus filhos pudessem ter um futuro digno.
Na semana passada o Governo editou duas portarias alterando os procedimentos de demarcação de terras indígenas no país. A primeira, publicada na quarta-feira, dia 18 de janeiro, alterou a forma como as Terras Indígenas (TIs) são declaradas no Brasil. Assinada pelo ministro da Justiça e Cidadania Alexandre de Moraes, a Portaria nº 68 criava um Grupo Técnico Especializado para subsidiar o ministro quanto à demarcação de Terras Indígenas, com representantes da Funai, Consultoria Jurídica, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Além disso, trazia uma série de disposições para modificar o procedimento de demarcação, incorrendo em violações à Constituição Federal e ao Decreto nº 1.775/1996 que regulamenta esse processo. Diante da imediata reação das organizações indígenas e indigenistas, o Governo recuou.
Na sexta-feira saiu a revogação da Portaria nº 68 e a publicação de uma nova, excluindo algumas das ilegalidades, mas mantendo a criação de um Grupo Técnico Especializado (GTE) para tratar de processos de demarcação de TIs, agora com atribuições que reprisam exatamente o que está disposto no Decreto nº 1.775/1996.
Não foi a primeira vez que o Governo se viu obrigado a voltar atrás sobre o tema. Logo que tomou posse, Temer sinalizou à Frente Parlamentar da Agropecuária que o Governo revisaria todas as portarias declaratórias e decretos de homologação de Terras Indígenas publicados ao final do Governo Dilma Rousseff.
No fim do ano passado, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma proposta de decreto que estaria sendo elaborada pelo Ministério da Justiça. Tal proposta alteraria o rito de demarcação de terras indígenas, restringindo drasticamente os direitos territoriais dos índios sobre suas terras, abrindo essas áreas a empreendimentos econômicos e permitindo até a revisão de processos de terras já homologados, entre outros pontos. Mais de 130 organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Greenpeace, Movimento Nacional de Direitos Humanos e Associação Brasileira de ONGs (Abong) repudiaram a proposta que, na prática, acabaria com as demarcações de Terras Indígenas.
Na ocasião, o ministro negou que houvesse a minuta ou qualquer intenção de alterar o procedimento de demarcação. A portaria veio logo depois, demonstrando que a intenção do ministério existia sim.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na quinta-feira (19), o presidente Michel Temer afirmou que a medida visava reduzir conflitos. É a visão equivocada de que o conflito está na garantia constitucional da demarcação das terras indígenas. Ao contrário, como bem lembrou o subprocurador-Geral da República, Luciano Mariz Maia, coordenador da 6ª Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (MPF), em entrevista ao ISA, “o objetivo não é assegurar certeza e segurança jurídica para as demarcações, mas assegurar que elas não se realizarão”.
O recuo do Governo não surpreende. As denúncias e reações negativas às decisões tomadas expuseram suas intenções espúrias e anticonstitucionais. Com maldade evidente, o Governo desmente, recua, mas deixa claro, pela falta de transparência, que sua motivação não é das melhores.
As nomeações para a Funai também foram precedidas dessa dinâmica. Em setembro de 2016 Temer afastou da presidência da Funai Artur Nobre Mendes, que ocupava o cargo interinamente desde a saída do ex-senador João Pedro Gonçalves, em junho. Em seu lugar foi nomeado, ainda como interino, um assessor especial do Ministério da Justiça, Agostinho do Nascimento Netto.
Desde junho de 2016 foi aventada a intenção de nomear um general para a presidência do órgão. Diante de questionamentos do movimento indígena pela inexistência de conhecimento ou experiência do indicado, o Governo recuou da nomeação do general Roberto Sebastião Peternelli Júnior, filiado ao Partido Social Cristão (PSC). Surgiu então o nome do general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas, assessor de Relações Institucionais do Comando Militar da Amazônia, em Manaus (AM). A Casa Civil determinou que a Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai – financiasse o deslocamento de índios para Brasília para pressionar o Ministério da Justiça a nomear os indicados do PSC para cargos de direção na Funai.
Como o movimento indígena manteve sua reação negativa à ideia de o órgão indigenista ser comandado por um militar, a solução dada pelo Governo foi nomear Franklimberg para a Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável, e Antônio Fernandes Toninho Costa para presidente, ambos indicados pelo PSC.
De acordo com notícias publicadas na imprensa, a nomeação de Antônio Toninho Costa aconteceu logo após o presidente Temer cobrar do ministro Alexandre de Moraes uma solução para a questão da Funai. Temer foi informado que o órgão não tinha um presidente efetivo durante a reunião que discutiu a retomada do crescimento econômico, quando a demarcação de terras indígenas foi apontada como empecilho para a finalização de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O pacote do PSC para a Funai é preocupante, visto que o partido está alinhado com a prioridade dada pela bancada ruralista no Congresso de desconstituir os direitos territoriais indígenas. Que ninguém se surpreenda: atuando de forma errática, o Governo Temer está contribuindo para a eclosão de incidentes graves nas situações locais de conflito, que esperam há anos por soluções das autoridades.
Nós, o povo Kayapó Mebengokré, articulados com o movimento indígena nacional, manifestamos nosso repúdio aos ataques deste governo aos nossos direitos. Entregar a Funai ao PSC e aos militares é ignorar nossas reivindicações para atender aos interesses de parlamentares e grupos econômicos que só querem tomar as nossas Terras e acabar com nossos direitos.
A eles, nosso recado: jamais recuaremos na defesa dos direitos conquistados. Estamos preparados para a guerra e unidos na defesa de nossas terras, famílias e cultura!
Um novo decreto do ministério da justiça coloca em risco mesmo as terras indígenas já demarcadas e reconhecidas por governos anteriores. Permite que estas terras sejam contestadas por “interessados”, incorporando as teses de interesse de fazendeiros e as exigências contidas na PEC 215.
Este decreto evidentemente elaborado para garantir os interesses dos ruralistas, representa na prática a revogação do decreto 1.775 que há 20 anos regula o tema. Se for colocado em operação irá inviabilizar mais de 80% das terras indígenas no país, cerca de 600 territórios em processo de demarcação reivindicados pelos índios.
A minuta adota a tese do “marco temporal”, em que somente indígenas que estavam na terra ou a disputavam judicialmente em outubro de 1988, podem ter direito a ela. Os índios que foram expulsos de suas terras e não as retomaram em 1988, mesmo que por meios violentos, perdem o direito de reivindicá-la.
Também processos de demarcação que estão em andamento terão que incorporar “as diretrizes” do documento. Esta prevista abertura de prazo de 90 dias para que “interessados” se manifestem sobre processos que já estejam homologados pela Presidência, mas sem registro em cartório, última etapa do processo de demarcação.
Na prática o que vemos são uma vez mais as elites brancas, alterando as leis para eliminar direitos históricos, fruto da luta das gerações passadas, implementando políticas de genocídio para garantir seus privilégios as custas do futuro das populações indígenas.
No último dia 23 de dezembro, uma vez mais, em meio à floresta Amazônica, um grupo de índios teve suas imagens roubadas do alto, por brancos em um grande pássaro de metal.
Quantos maus encontros, os velhos dirão, não começaram com alguns brancos chegando numa canoa, a cavalo, trem ou avião? Quantos povos não foram exterminados a tiros ou dinamite, chuva de veneno ou cobertores com malária semeados por esses pássaros de metal?
Suas imagens roubadas rodaram o mundo. Serviram ao fetiche dos brancos (ao menos os puristas) a imagem do exótico pode ser vendida, colocada a serviço da autopromoção de profissionais, empresas e instituições.
Ninguém está isolado. As imagens desses índios assustados nada falam dos tantos maus encontros com madeireiros, garimpeiros e missionários que fizeram com que escolhessem evitar ativamente esta civilização.
A noção de índio isolado é conveniente, desresponsabiliza, disfarça os aparatos de exploração e genocídio que obrigaram tantos povos à centenas de anos de fuga.
Os atropelamentos recorrentes na BR-070 reacenderam a revolta dos indígenas no cerrado contra as rodovias. Os Xavantes do Mato Grosso estão indignados com os acidentes nas estradas que cruzam suas terras. Desde outubro fecharam as estradas em protestos pelo atropelamento de dois indígenas. Recentemente, também um bororo foi atropelado.
Exigem que o governo venha negociar diretamente com seus líderes e porta-vozes. Estão acampados nas beiras das estradas desde outubro de 2016, sem recursos e com muitos gastos em transporte e alimentação. Pedem doações a quem quiser apoiá-los em sua causa, para que continuem na luta contra mais mortes nas estradas.
Entre outras associações, a Xavante Warã é uma associação que não representa todo o povo xavante, mas participa ativamente desta causa. A Xavante Warã aceita doações de qualquer quantia e agradece. Este recurso irá cobrir gastos de viagens de articulação com outras associações, e também para conseguir suprimentos para que os acampados permaneçam nas estradas.
Banco do Brasil – agência 3290-5 – conta corrente 45914-3 João Lucas Owa’u – CPF:315.414198-71 – RG:1382927-0 SP
A Plataforma de Cartografia dos Ataques Contra Indígena (CACI) é um recente levantamento de ataques contra povos indígenas no território dominado pelo Estado Brasileiro. Foi ao ar em junho de 2016 e mapeia parte da violência civilizatória contra povos tradicionais entre os anos de 1985 e 2015.
Nela já constam cerca de 750 assassinatos entre 2003 e 2015 No Mato Grosso do Sul, conhecido por seu contexto de conflitos entre latifundiários e comunidades tradicionais lutando por terra e autonomia – encontra-se em pequenas porções de terra, a segunda maior população indígena no território brasileiro.
Segundo a plataforma CACI é também no Mato Grosso do Sul que estão concentradas mais da metade dos ataques, 400 dos quase 750 assassinatos de indígenas entre 2003 e 2015. A Plataforma de Cartografia de Ataques Contra Indígenas pode ser acessada pelo link.