Em memória do Guerreiro Augusto Opë Kaingang

Disse Augusto Ope da Silva que compreendeu importância da luta ancestral pela terra em 1983. Augusto foi um importante líder kaingang dos nossos tempos. Num tempo em que muitas lideranças cooptadas pelo aparato colonial prejudicam seu povo, Augusto, pelo contrário é lembrado por seus Yambré e Kangré por sua sabedoria tranquila e suas palavras fortes.

Lembrava-nos Augusto que antes da invasão europeia os territórios de seu povo se estendia do sul do atual estado de São Paulo até o Rio Grande do Sul. Dizia-nos que a terra era fértil, havia caça e pesca em abundância, e que o meio em que viviam lhes dava tudo necessário para uma boa vida. Após cinco séculos de invasão dos fög os territórios kaingang foram reduzidos a retalhos, refúgios e fundões. O processo de colonização que exterminou 98% das populações indígenas, no entanto, não conseguiu acabar com os kaingang – cortou-se os galhos, ficaram as raízes – que voltaram a crescer em número e se organizarem entre si.

 

Em 1985 Augusto se envolveu na luta pela retomada da terra kaingang de Iraí, que então estava na mão de colonos ali assentados por décadas, pelas políticas antiindígenas do estado brasileiro. Após iludir as populações indígenas com promessas e truques legais como a lei de terras que criou marcos e divisas das terras indígenas para o confinamento, o estado brasileiro decidiu assentar colonos nas terras kaingang em uma espécie de reforma agrária dentro destas terras, fazendo com que em 1962, muitas populações acabassem em desgraça.

Após um período de articulação, cansados das armadilhas estatais, os Kaingang  “sobreviventes do massacre feito no passado” partiram para a ação direta, expulsaram os colonos das terras usurpada de seus ancestrais, refutando a política etnocida que transformava seus territórios em pequenos aldeamentos.

Augusto foi um guerreiro dessa conjuntura, deste período de retomada pelas terras, quando a malha de mentiras do estado dos brancos já não escondia mais as injustiças que criava. Augusto lutou com sabedoria, relembrando a história de seu povo e repassando seu conhecimento para os mais jovens. Como raramente acontece Augusto foi reconhecido em vida: jovens kaingangs lhe prestaram homenagem dando seu nome à uma escola indígena no município de Santa Maria.

Augusto Ope não traiu seu povo, não foi líder pacificador e conciliador a serviço dos interesses dos fög, foi o avesso disso.Não teve medo de dizer o que precisava ser dito, nem teve receio de chamar seus parentes para a guerra pelo futuro das gerações, mesmo que isso levasse a morte. Antes a morte que a falta de dignidade. Disse uma vez diante das tropas de choque mobilizadas contra seu povo na cidade de Porto Alegre,  “Os Kaingang não tem medo de morrer, os Kaingang têm medo de ser esquecidos.”

Sempre apoiou o conhecimento e as práticas dos xamãs kaingang, nunca esquecendo a importância dos kujã na criação de um povo forte contra as doenças impostas pela sociedade industrial dos fög. Participou dos Encontros dos Kujã e nunca hierarquizou o conhecimento kaingang colocando-o abaixo dos saberes biomédicos, reconhecendo sua importância milenar.

Não se deixou abater quando o câncer, a doença dos fög tomou seu corpo. Seguiu lutando enquanto teve forças. Denunciou os remédios dos brancos que adoecem, a comida dos brancos que ao invés de nutrir, enfraquecem e podem matar.

Como ninguém é pedra para durar para sempre Augusto Ope se foi aos 58 anos. Faleceu no dia 31 de maio de 2014 em decorrência do câncer. Ainda assim sua memória segue viva e atuante entre os kaingang que a relembram em seus encontros. Suas palavras serão lembradas pelas gerações que virão.