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General na Funai e a epidemia-genocida-xawara

Por Daniel Pierri

A indicação de Peternelli para a Funai é o coroamento de uma estratégia de perseguição neobandeirante

Michel Temer não gosta de ver o impeachment associado à palavra golpe, e muito menos ao golpe militar. Porém, constrói nos bastidores a nomeação de um General reformado, Sebastião Peternelli, para a presidência da Funai. Peternelli é indicação de André Moura, PSC, líder do Governo na Câmara e de Romero Jucá, flagrado por grampos como articulador de operação para barrar a Lava Jato.

Peternelli foi derrotado como candidato a deputado federal nas últimas eleições. Em seu twitter, apareceu um post defendendo a intervenção militar para derrubada de Dilma. Em seguida, ele alegou que alguém havia invadido sua conta e postado indevidamente, e que ele era a favor da “legalidade”. Em seu Facebook, porém, exalta a ditadura militar, e a perseguição à “comunistas”.

O general exerceu a função de secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), nomeado por José Sarney em 2012, quando esse ocupava a função de Presidente da República em exercício, durante uma viagem de Dilma Rousseff e  Michel Temer, ainda no primeiro mandato. O pesquisador Jorge Zaverucha, em seu artigo publicado no livro O que Resta da Ditadura, esclarece que o Brasil era até recentemente o único país latino-americano que havia conservado a subordinação de seu órgão de inteligência aos militares; no caso a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, criada no Governo FHC –, ao próprio GSI, órgão controlado por ministros militares. Em seu segundo mandato, Dilma havia finalmente retirado o status de ministério do GSI, passando a ABIN para a Secretaria de Governo. Temer imediatamente revogou o ato, devolvendo o controle da ABIN aos militares.

O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), no capítulo que trata da temática indígena, revelou que os órgãos de inteligência do Governo Militar perseguiam o movimento indígena então nascente, e também grampeavam e monitoravam seus aliados, seja da sociedade civil, seja dentro da própria Funai. Após o AI-5, foi criada na Funai uma Assessoria de Segurança da Informação (ASI), ligada diretamente à Divisão de Segurança da Informação (DSI) do Ministério do Interior, a ABIN da época. O acervo do ASI-Funai é farto em transcrições de grampos de servidores da Funai, de lideranças indígenas, de organizações indigenistas, e até de bispos da CNBB. Está tudo documentado, quem defendia demarcação de terras, índio ou não índio, estava monitorado a cada passo.

Hoje, a mesma bancada ruralista, que participa do lobby pró-Peternelli, controla uma CPI da Funai e do Incra na Câmara, instalada para perseguir novamente os índios e seus apoiadores, e abrir espaço para uma série de retrocessos na política indigenista, como a famigerada PEC 215, em relação à qual o general já se mostrou favorável. A nomeação de um quadro do GSI para presidência da Funai seria o coroamento dessa estratégia de perseguição neobandeirante, liderada pela bancada BBB – do Boi, Bala e Bíblia.

O relatório da CNV também revelou que Romero Jucá, padrinho inconfesso de Peternelli, foi responsável direto pela morte de centenas de Yanomami, ao capitanear a invasão de garimpeiros nesta terra indígena enquanto era presidente da Funai, e ao mesmo tempo expulsar as equipes de saúde da área, fazendo invadir as epidemias junto com o garimpo. Conforme documento divulgado pela CNV,  Jarbas Passarinho (1920-2016), então ministro da Justiça, confessou em 1993 a sua responsabilidade, a do Estado, e de Romero Jucá no genocídio Yanomami. À época, Sarney era Presidente da República e o general Peternelli era membro da sua segurança pessoal. Jucá até hoje continua exercendo sua influência na política local em Roraima, por meio de indicações e conchavos, que ele tenta fazer estenderem-se novamente à Presidência da Funai, que já ocupou.

Davi Kopenawa, líder Yanomami, testemunha do genocídio promovido com apoio de Jucá, recentemente publicou uma monumental obra auto-biográfica, A Queda do Céu, que relata os sucessivos massacres que os Yanomami sofreram durante a ditadura militar, e durante a gestão Jucá-Sarney. Os Yanomami chamam de xawara as epidemias associadas às mercadorias e à ganância dos brancos e seus chefes, cujo pensamento Kopenawa reproduz em seu livro: “Somos poderosos. Somos donos de toda a floresta. Que morram seus habitantes. Estão morando nela à toa, num solo que nos pertence”.

Foram pelo menos 8.350 indígenas mortos entre 1946 e 1988, segundo a CNV, provavelmente muito mais. As palavras que Kopenawa atribui aos chefes brancos são repetidas quase que literalmente da boca de parlamentares como Luiz Carlos Heinze, que diz que os índios são tudo que não presta, de Alceu Moreira e Jair Bolsonaro, que convocam os fazendeiros a se armarem contra os índios. São eles que incitam o ódio que culminou no assassinato recente do kaiowa-guarani Cloudione Rodrigues Souza, são eles que querem colocar Peternelli na Funai para voltar ao tempo dos militares.

Quando se diz que é golpe, não são todos que se dão conta de que para as populações mais vulneráveis o que se passa hoje com o ilegítimo Governo Temer é sim comparável ao que se passou durante a ditadura. Diante de tantos ataques, o que os povos indígenas precisavam era o fortalecimento institucional da Funai, voltado para a efetivação dos direitos sedimentados na Constituição Federal, especialmente a demarcação e proteção de suas terras. A indicação de Peternelli, entretanto, é parte de um projeto de restrição brutal dos direitos indígenas, intensificado no Governo golpista, que trabalha para um desmonte da Funai, com cortes substanciais de estrutura e orçamento pelo Ministério da Justiça, e sinalizações de recuo em demarcações de terra já publicadas.

Como sempre fizerem, porém, os povos indígenas vão resistir, pois retroceder nos direitos conquistados em 1988 significa o aprisionamento no tempo do genocídio que nunca parou, no tempo da xawara, a epidemia mortal das mercadorias e da ganância dos brancos.

Fonte: El País

Sem presença da Funai, índios assumem proteção das terras

Por Ciro Barros / Iuri Barcelos (Agência Pública)

Ações de fiscalização caíram quase 60% de 2011 a 2014; povos que assumiram a tarefa por conta própria sofrem com ataques de madeireiros e invasões garimpeiras

Guajajara assassinados

Cansados de esperar por fiscalizações mais frequentes da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Ibama e da Polícia Federal, o povo Guajajara da terra indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, resolveu reagir. “A gente resolveu formar uma comissão de lideranças e caciques. Essa comissão achou melhor que a gente tivesse os nossos próprios guardiões da terra, pra gente mesmo defender o nosso território”, conta Suluene Guajajara, uma das lideranças do povo. Esses guardiões Guajajara receberam das lideranças uma missão: percorrer todos os 413.000 hectares do território em busca dos invasores atraídos pelas riquezas naturais, sobretudo a madeira.

Ao protegerem a própria área, os indígenas buscam garantir seu direito de usufruto exclusivo dela, como determina a Constituição. Antes de saírem para a guarda, os índios comunicam à Funai e, ao flagrarem qualquer invasor, o cercam e avisam às autoridades. O risco, porém, os acompanha a cada passo da ronda.

“Os guardiões sofrem muita ameaça. Eles não podem mais fazer compras na cidade, por exemplo. As pessoas que lucram com a exploração das nossas terras ficam falando que vão queimar, vão cortar o corpo dos guardiões. Eles até colocam preço na cabeça dos guardiões: quem matar um leva dez mil reais, 15 mil reais”, diz. A voz de Suluene estremece, os olhos enchem d’água. “A gente vive com muito medo.”

As ameaças de morte já se concretizaram. Só neste primeiro semestre de 2016, quatro Guajajara (Aponuyre, Genésio, Isaías e Assis) foram violentamente assassinados no período de um mês, dois deles a pauladas, e um deles, Aponuyre, tinha apenas 16 anos.

Outro índio assassinado, Assis Guajajara, era um guardião. “Infelizmente isso não é novidade, a gente se acostumou a viver com medo. Em 2007, os madeireiros já tinham matado outro indígena, um senhor da aldeia Lagoa Comprida. E eles nunca pararam de nos ameaçar”, conta. “A Funai vai lá na terra uma vez, faz uma ação, coíbe alguns madeireiros, mas é só a Funai sair que eles voltam. A gente fica oito, dez dias protegidos, mas a Funai vai embora. Os próprios funcionários são ameaçados na estrada pelos madeireiros. E parece que eles são avisados: quando a operação da Funai chega, eles saem e não estão mais lá”, desabafa Suluene.

Queda livre nas fiscalizações

A morte dos Guajajara vem na esteira de um cenário preocupante para os povos indígenas brasileiros: a queda livre nas ações de fiscalização em terras indígenas pela Funai. Segundo o último relatório de gestão do órgão indigenista, em 2011 foram 227 ações de fiscalização e, em 2014, o número caiu para 92 ações, queda vertiginosa de 59%. O relatório aponta uma razão para a redução das ações de fiscalização: a insuficiência de recursos orçamentários, fato que “limita o desempenho das ações da Diretoria de Proteção Territorial no cumprimento de suas atribuições legais, principalmente para a implementação de ações de monitoramento territorial, que têm tido uma expressiva redução nos últimos anos”.

Levantamento realizado pela Pública indica que a redução das ações de fiscalização se encaixam em um quadro mais amplo da dinâmica orçamentária da Funai. Embora o orçamento geral do órgão tenha apresentado leve crescimento nos últimos dez anos, houve uma forte redução da verba destinada às atividades de fiscalização da Funai, que tem a responsabilidade de zelar por uma área indígena equivalente a 13% do território nacional. Em 2015, por exemplo, o que se gastou com fiscalização representa menos da metade do que se gastava há dez anos.

Suluene avalia que a Funai padece de apoio do Estado brasileiro. “A gente que é do movimento indígena sabe que o governo não vem dando condições para que a Funai faça o seu trabalho direito. A Funai não tem funcionários pra conseguir fiscalizar nada. E isso é pelas pressões políticas que eles vêm sofrendo. Mas, enquanto isso acontece, os povos indígenas correm muito risco”, diz a líder Guajajara.

No ano passado, após dois meses seguidos, um incêndio tratado pelos Guajajara como criminoso consumiu mais da metade (53,2%) da TI Arariboia. Os madeireiros são apontados como os principais responsáveis pelo início das queimadas na região. “Nossa caça fugiu ou morreu, e a gente não tem mais como viver de acordo com a nossa cultura”, lamenta Suluene.

Com o incidente, a saúde alimentar e a sustentabilidade dos Guajajara deixou a comunidade em situação delicada. “A terra não consegue mais nos alimentar. E uma das formas que mais ameaça a gente é a alimentação”, diz. Segundo ela, frango da granja, biscoito e refrigerante passaram a ser consumidos pela comunidade. “Agora temos casos de diabetes, hipertensão, câncer. Antes a gente tinha doença espiritual, mas o nosso pajé curava. Só que o nosso pajé não cura um câncer, não cura diabetes”, diz.

Reestruturação pela metade?

A situação relatada pelos índios com a pouca fiscalização do órgão indigenista é um dos nós que colocaram a Funai na berlinda em vários momentos de sua história. Na gestão de Márcio Meira (2007-2012), uma mudança estrutural por meio de dois decretos (7056/2009 e 7778/2012) dividiu opiniões dentro e fora do órgão. “A ideia dos decretos de reestruturação foi um grande esforço de adequar a Funai à Constituição de 1988 e garantir a autonomia indígena”, afirmou Meira.

A mudança na Funai foi recebida à época com ressalvas (e protestos) pelos povos indígenas, movimentos sociais, funcionários e até por ex-presidentes do órgão, sobretudo pela diminuição do número das antigas Administrações Executivas Regionais em comparação às CRs criadas na reestruturação.

A retirada dos postos indígenas das aldeias é criticada pelo ex-presidente da Funai Mércio Gomes (2003-2007). “[A reestruturação] foi péssima porque retirou os postos das terras indígenas. Hoje todo mundo está nas terras indígenas, menos a Funai. Tirar os postos indígenas foi algo completamente absurdo”, critica. “No Mato Grosso, por exemplo, você tem várias Coordenações Técnicas Locais próximas às terras dos Xavante, mas ninguém dentro das terras para coibir os conflitos que ocorrem lá. Essa reestruturação esvaziou a Funai”, avalia.

Meira defende a medida tomada por sua gestão. Ele explica que a reestruturação começou em 2007, com base em um levantamento feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e com estudos da própria Funai. “Nós elaboramos uma reforma processual que, lamentavelmente, não pode ser continuada nas gestões posteriores”, avalia.

Para ele, os concursos públicos contínuos eram um passo fundamental na reformulação proposta. “Havia a expectativa de que o Ministério do Planejamento desse continuidade aos concursos a cada ano, o que não aconteceu”, reclama.

O sócio-fundador do Instituto Socioambiental Márcio Santilli, que já presidiu a Funai (1995-1996) na gestão de Fernando Henrique Cardoso, vê “vários méritos” na reestruturação de Meira, mas pondera que os concursos públicos perderam efetividade. “A Funai tem uma enorme dificuldade de basear pessoal nas pontas, especialmente no caso das terras indígenas que, muitas vezes, são áreas remotas”, avalia.

Gustavo Vieira, servidor da Funai e membro do Movimento de Apoio aos Povos Indígenas (Mapi), avalia que a reestruturação do órgão deu novo perfil ao funcionário da Funai, que passou a ser mais “articulador de políticas locais” e menos um agente que “atende demandas diretas do índios”. “O chefe de posto tinha mais ou menos essa função, ou seja, seria uma espécie de ‘cacique branco’, que se relacionava com os índios de uma forma meio assistencialista”, opina.

A despeito das críticas, Vieira vê uma institucionalidade maior do órgão com a reestruturação. “A retirada dos postos avançados de dentro das aldeias e a criação das CTLs nas cidades deram uma articulação melhor dos funcionários da Funai com as prefeituras, com as secretarias municipais e estaduais.”

Lado indígena

Sônia Guajajara, liderança da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), é assertiva sobre a questão: “A reestruturação está só no papel e a Funai só tem se distanciado dos conflitos das terras indígenas”.

Telma Marques, da terra indígena Araçá e membro do Conselho Indígena de Roraima, considera que a Funai passou pela reestruturação para definir várias situações, mas que “falta muita coisa para que haja uma atuação direta com os povos indígenas”.

Segundo ela, a fiscalização é um dos grandes problemas. “Todas as ações dentro das terras ainda são pequenas. Há um contingente mínimo de pessoas para fazer as ações, o que acaba inviabilizando o trabalho da Funai.”

Segundo o último relatório de gestão do órgão, os cortes nas atividades de proteção territorial foram de 50% entre 2008 e 2014. O Governo ainda não regulamentou o poder de polícia da Funai, algo previsto na lei que criou o órgão em 1967. “Hoje não está muito claro o papel da Funai. A gente está vendo que a Funai está sem braço para garantir a segurança dos povos indígenas. Mas enquanto isso a gente é que está sofrendo na pele”, conclui Rosimeire Maria Vieira Teles, do povo indígena Arapaso, da TI Alto Rio Negro.

Para além do debate sobre a reestruturação da Funai e a autonomia indígena, a violência contra esses povos é uma realidade crescente. As pressões a que os povos indígenas estão submetidos são as mais diversas: vão de ameaças de narcotraficantes às de madeireiros, passando pelo garimpo ilegal, a pecuária extensiva e megaempreendimentos públicos e privados (hidrelétricas, estradas, barragens de mineração etc.).

Este vídeo faz parte do especial Amazônia em Disputa. Leia o restante do material aqui.

Programa de proteção já acolheu 133 indígenas

Dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (arquivo 1 e 2) mostram que 38 indígenas estão incluídos atualmente no Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos, mantido pelo governo federal. Outros 43 passam por uma triagem e 15 estão em análise. Ao todo, 133 índios foram acolhidos pelo programa entre 2009-2016.

A situação de insegurança corrobora os relatórios sobre violência contra os povos indígenas elaborado desde 2003 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Somente em 2014, ano do último levantamento, 138 indígenas foram assassinados no país, número mais alto da história do relatório. A média anual é de 68 assassinatos.

Fonte: El País

A última família dos índios Juma

A etnia que já teve 15 mil integrantes hoje se resume a Aruká e suas três filhas: a família final

De semblante fechado, respostas curtas e simples, pobres de detalhes, mas extremamente ricas em sentimentos, Aruká reflete sobre o que poderia ter feito para não estar na situação em que se encontra hoje. “Meu pensamento é que o Juma aumentasse mais. Como que não tem mais Juma?”, questiona.

Aruká é o último homem do povo Juma. No século 18 eram cerca de 15 mil índios desta etnia, mas hoje só restaram o senhor de 82 anos e suas filhas Maitá, 31 anos, Borehá, 35 anos, e Mandeí, a mais nova, hoje com 28 anos. Como são patrilinear, ou seja, seguem a linhagem paterna, e como não existem mais homens, o futuro dos Juma já está condenado. Esta é a família final.

Os Juma não têm pajé, mas têm cacique – algo raro, um mulher: Mandeí. Assim como as irmãs, é uma pessoa simpática mas de postura firme. Em 2014 ela estava caçando na floresta e foi picada no pé por uma cobra jararaca, cujo veneno pode ser fatal. A cacique aguentou e só foi atendida dois dias depois, sem necroses ou perda de membros. Mandeí é, sem dúvidas, uma mulher forte. Pela organização e rotina da aldeia é claro notar que são as três Juma que tomam a frente e comandam o lugar – afinal, a terra é delas.

A história segue o mesmo triste roteiro de outros povos indígenas do Brasil. Inicialmente dizimados pelos portugueses, os Juma foram arrasados pelas doenças trazidas pelo homem branco e em seguida por seringueiros, garimpeiros e ladrões de terra. Foi um massacre constante, com relatos de chacinas, mas nenhuma condenação. No final da década de 70, um grupo invadiu a aldeia para roubar e matou mais de 60 índios. O caso apareceu no jornal local, mas não apareceram culpados. Ser indígena no Brasil é como ser jovem, negro e favelado, mas com ainda menos programas sociais e menor visibilidade da imprensa ou de organizações de direitos humanos.

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A cacique Mandeí. Crédito: Gabriel Uchida

Não bastasse todo o sofrimento histórico, em 1998 os poucos Juma restantes foram transferidos pela Funai de sua terra para uma aldeia de outra etnia, a Jamari dos Uru-eu-wau-wau – apesar de a Constituição Brasileira proibir a remoção de indígenas de sua área original. Segundo a Funai, eles estavam à mercê de invasores e correndo perigo de vida e já estavam muito reduzidos.

Após perder seus familiares e também sua terra, o que sobrou aos poucos restantes foi a melancolia. Ivaneide Bandeira, de 57 anos, é indigenista da ONG Kanindé e trabalha há mais de 30 anos na Amazônia. Ela acompanha de perto a história dos Juma. “Quando eles viviam com os Jupaú, conhecidos como Uru-eu-wau-wau, estavam tristes sem poder exercer sua própria identidade porque estavam na terra de outro povo, então acabavam tendo que obedecer outras normas e códigos sociais. O Aruká era muito triste porque sempre foi o líder do povo dele e lá não se sentia respeitado como estava acostumado.”

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Aruká e suas três filhas: a última família. Crédito: Gabriel Uchida

Somente em 2013, e com um número ainda mais reduzido, os Juma voltaram para a sua terra – de mais de 38 mil hectares e demarcada e homologada desde 2004. Ivaneide acompanhou o processo: “Quando o Aruká retornou para a sua área, ficou orgulhoso de voltar a liderar o seu povo e de ter sua cultura e identidade Juma valorizadas, ele estava super feliz em construir suas próprias moradias com as filhas”.

Os pais de Aruká morreram há tempos. A mãe padeceu por conta da malária, enquanto o pai foi assassinado por um seringueiro. Aruká sonhava em construir uma nova maloca para seu povo, mas o número reduzido de índios impediu que isso se torna-se realidade. Agora próximos de uma unidade da Funai, o último Juma ainda reluta em sair de sua região. “Não gosto muito da cidade porque tenho rancor do branco. Ele matou meus parentes.”

O acesso até o local é difícil. Do município de Humaitá, que fica a 11 horas de carro de Manaus, segue-se pela Transamazônica em uma interminável reta sem asfalto. Dependendo do tempo, os buracos e a terra viram lama que mais parece sabão sob os pneus. Mesmo com uma caminhonete com tração nas quatro rodas é extremamente difícil completar este trecho que leva em torno de 3 horas, dependendo das condições climáticas. Depois disso ainda falta uma hora de barco até a aldeia, que está às margens do rio Assuã. Um pequeno porto é a entrada das embarcações e também o local para o banho. Dali ainda é puxada a água para algumas torneiras improvisadas.

O sofrimento histórico dos Juma é refletido em sua aldeia: diferentemente do que é encontrado em outras terras, ali não tem posto de saúde, nem igreja, nem pajé e nem campo de futebol. Também não tem eletricidade e o único gerador a gasolina está quebrado. São apenas cinco casas, uma construção para a escola que foi montada mas nunca funcionou e um pequeno tapiri tradicional onde os habitantes se reúnem para as refeições. Além dos quatro sobreviventes, também moram no local alguns indígenas de outras etnias ou já misturados. No entorno da aldeia encontra-se mandioca, castanha e milho. Eles mantêm a tradição de caçar e pescar, principal fonte de alimento e também diversão para as crianças.
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Apesar da idade, o senhor Aruká tem um corpo imponente, anda com firmeza e caça sozinho. Ele fala pouco e quando o faz é breve e apenas na língua indígena – não entende o português. Mas seus olhares são poderosos e ele está sempre atento. Enquanto todos comem, conversam, fazem piadas e fumam tabaco, ele se senta na ponta da mesa e fica calado observando como se estivesse tomando conta de tudo. Aruká não gosta muito de ter sua rotina incomodada.

Aruká sente o peso de ser o último dos seus. “Hoje em dia sinto sozinho e penso muito em antigamente, que tinha muita gente”, desabafa. “A gente era muitos e depois vieram o seringueiro e o garimpeiro para matar o povo Juma todinho.” Enquanto acompanha a vida de suas filhas e toma remédios para dores nas costas, o derradeiro Juma pensa no que já se foi. “Antigamente o Juma era mais feliz… e hoje só tem eu.”

Fonte: Risca Faca

Texto e fotos de Gabriel Uchida

Lembrando Indígenas assassinados denunciando a violência civilizatória no Brasil

Sob o impacto do assassinato cruel de Vitor Kaingang de 2 anos, saímos as ruas de Porto Alegre em uma noite de fevereiro para uma ação em memória aos indígenas assassinados por todo o Brasil.

Colocamos uma faixa num muro da Avenida Loureiro da Silva, à poucos metros da Fundação de Agricultura do Rio Grande do Sul (FARSUL), entidade racista e antiindígena propagadora de discursos de ódio no sul do Brasil.

Quem lucra com as hidroelétricas que levarão morte ao rio Tapajós?

A Amazônia e seus habitantes estão constantemente ameaçados pela ganância desenvolvimentista do grande capital e seu funcionário, o governo brasileiro. Mais de 375 quilômetros quadrados de floresta estão para ser inundados para a construção de 32 hidroelétricas na bacia do rio Tapajós.

Mesmo antes da construção,o desmatamento na região irá alcançar índices sem precedentes. Após a inundação, a floresta morta submersa apodrecerá liberando enormes quantidades de metano na atmosfera intensificando ainda mais o efeito-estufa.

Terras indígenas como a Sawré Muybu já foram sufocadas sob o peso do lobby industrial: sua demarcação foi embargada. A construção dessas megaobras afetarão as vidas centenas de milhares, indígenas e ribeirinhos. Os Mundurukus perderão seu rio sagrado, as terras em que habitavam seus ancestrais. Muitos serão forçados a viver em conjuntos habitacionais, ou nas periferias das cidades. Em nome do lucro de uns poucos, a vida de muitos será sufocada. Mas quem é a minoria que manobra o estado para garantir seus lucros com tamanha desgraça?

Os políticos que afirmam que as hidroelétricas são para gerar energia para o povo, mentem descaradamente na defesa dos interesses de seus patrões. Os ganhos serão para corporações, indústrias de metais pesados, construtoras, megamineradoras e latifundiários. Seus portos, estradas, minas e parques industriais ocuparão o espaço que foi um dia a floresta.

Existirá alguma força que possa impedir essa enorme tragédia ambiental anunciada? Qual é a resposta que merecem esses ecocidas?

O Estado contra o povo Pataxó

Por Renato Santana, Cimi

A fumaça branca encobre o Monte Pascoal, na Bahia. Cabral não veria a fisionomia atlântica do monte, fosse hoje. Algo queima, aos montes, nas proximidades da aldeia Alegria Nova. “São os fazendeiros transformando a floresta em pasto. Vamos ver de cima”, diz o cacique Mandy Pataxó, antes de ajeitar a escada no rumo de uma caixa d’água vazia, uns sete metros acima, posta num tablado de madeira rústica.

Do alto se vê as cercas separando o Parque Nacional do Descobrimento (PND), área de conservação ambiental, de uma fazenda, onde um pedaço de Mata Atlântica queima num incêndio contido – a não ser pela fumaça desgarrada. O parque e a fazenda se sobrepõem à Terra Indígena (TI) Comexatiba, do povo Pataxó, identificada em 2015 pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O Monte Pascoal se encontra nos limites da Terra Indígena Barra Velha, também Pataxó.

Embora o governo federal tenha reconhecido como tradicional a terra Comexatiba, antiga Cahy-Pequi, um órgão do próprio governo tem criado impedimentos à permanência dos indígenas na terra, além de fazendeiros e grupos interessados na exploração das áreas para a construção de resorts. O Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio), administrador do Parque Nacional do Descobrimento, tem entrado com sucessivos pedidos de reintegrações de posse contra os Pataxó de Comexatiba.

Em julho do ano passado, o ICMBio ingressou com duas ações de reintegração. Os procuradores do Instituto, vinculados à Advocacia-Geral da União (AGU), alegavam que a Funai não teria publicado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação do território Pataxó.

A Justiça Federal concedeu as liminares para o despejo sob o argumento de que o órgão indigenista havia pactuado o relatório para dois anos antes. Se o relatório fosse publicado, as liminares seriam suspensas. No dia marcado para as ações de despejo, o Ministério da Justiça publicou o relatório e os Pataxó respiraram aliviados – por pouco tempo.

“O que a gente imaginava é que, finalmente, a Funai tinha cumprido com o acordo e o ICMBio e o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que também solicitou reintegrações por ter lotes da reforma agrária em nossas terras, não mais nos incomodariam. Que se podia fazer uma gestão envolvendo os Pataxó e o ICMBio, mas não querem conversar com a gente e tentam nos tirar pra viver em Prado, em Cumuruxatiba, como mendigos”, explica Candara Pataxó.

O ICMBio entrou com outras três reintegrações, apenas neste ano. A alegação é de que os Pataxó estariam devastando a porção de Mata Atlântica preservada pelo Parque Nacional do Descobrimento. No entanto, além das queimadas constantes nas fazendas do entorno, é possível constatar outras propriedades utilizando agrotóxicos nos cultivos a poucos metros da fronteira do parque. Há ainda os caçadores, que constantemente circulam no interior da floresta. “O resultado vemos aqui: rios estão secando, nascentes assoreadas, o ciclo da natureza afetado”, diz Zezinho Pataxó.

A TI Comexatiba é uma das 64 áreas de sobreposição, de acordo com levantamento conjunto realizado pela Funai e o ICMBio. No entanto, o presidente do ICMBio, Cláudio Maretti, argumenta que a terra dos Pataxó ainda não está homologada, logo, não pode ser considerada indígena. Justamente por isso Maretti defende as reintegrações de posse, afirmando que o ICMBio vem tentando a retirada pacífica dos Pataxó até a conclusão da demarcação.

Em entrevista ao Instituto Socioambiental (ISA), o professor de direito ambiental Carlos Marés, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), diz que o ICMBio está equivocado. Ele esclarece que, para ser considerada indígena, segundo a Constituição de 1988, a terra não precisa do decreto de homologação. “É um direito que vem da origem. Portanto, a demarcação, ou o reconhecimento público, é apenas o reconhecimento de um direito preexistente”, explica. “A não ser que o Estado diga que os índios não existem e, portanto, não têm território”, disse o professor.

Traindo acordos

Aruã Pataxó, presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (Finpat) e cacique da aldeia Coroa Vermelha, explica que a mesma situação de conflito com o órgão governamental repete-se na Terra Indígena Barra Velha. Esta outra área Pataxó, em cujo território incide o Parque Nacional Monte Pascoal, passa por um processo de revisão de seus limites. Por isso, no final do mês de fevereiro, entre as diversas atividades em Brasília, os Pataxó participaram de uma reunião no Ministério do Meio Ambiente, onde tentaram a abertura de um diálogo com o governo para a solução do conflito.

“As conversas ocorrem há algum tempo já. O ICMBio não pode alegar que se trata de uma decisão da Justiça e nada pode se fazer quanto a isso. A gente percebe o ICMBio traindo acordos, sem querer avançar no diálogo”, afirma Aruã.

“Olha, eu vim pra essas terras bem antes dessa história de parque, ICM não sei o quê. Expulsaram os mais antigos, e depois voltamos tudo pra cá. Essa aldeia [Alegria Nova] ficava mais pras brenhas da mata. Tá tudo as marca lá pra quem quiser ver. Aqui, nesse pedaço que refez a aldeia que tamo tudo agora, a gente vinha pegar fruta, nossa medicina”, diz dona Amora Pataxó.

No alto dos 64 anos, dona Amora se mostra estafada com as tensões provocadas pelas reintegrações de posse; uma tremedeira agarrada nas mãos negras e calejadas, o coração fraco de tanto bater forte. “Uma filha minha se pegou numa depressão que… só por Deus… ela sai andando por aí. Os meu menino vão atrás dela. Me deixa aqui um neto que não sabe da mãe”, explica dona Amora.

A Pataxó, porém, não sairá de Comexatiba. “Prefiro morrer aqui do que ir pra cidade pedir esmola, viver jogada feito cão sem dono. Meus menino tudo tão entregue pra essa luta”, declara. O depoimento de dona Amora se respalda em sua própria história, naquilo que os antigos lhe passaram e hoje ela conta aos mais jovens.

Duas sobreposições à terra indígena

Em 1820 o príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied chegou ao extremo sul da Bahia e registrou, em fartos relatos, a presença do povo Pataxó entre o litoral e o interior da Mata Atlântica. Segundo esse etnólogo alemão, eles viviam “atrevidos e valentes”, sem “domicílio certo, andam errantes, vivendo da pesca, caça e furtos” (Revista Trimensal de História e Geographia, 1846, p. 442).

Com base nos relatos do príncipe naturalista, a professora e pesquisadora Maria Giovanda Batista demonstra que a redução da Mata Atlântica na região ocorreu conforme os Pataxó, e demais povos indígenas, foram expulsos de suas terras.

Para a professora, que coordena o Núcleo de Estudos e Pesquisas Interculturais e da Temática Indígena da Universidade do Estado da Bahia, em Teixeira de Freitas, “tornou-se possível demonstrar que entre 1951 e o ano 2000 a Mata Atlântica na região caiu de 95% intacta para menos de 3%”. Maria Giovanda complementa: “Em 1951, um grande incêndio (de origem criminosa) expulsou os indígenas (que se dispersaram para outros pontos da mata). Em 1951, a população não indígena era de 23 mil habitantes, espalhados em sete municípios. Isso até 1958.”

A partir dos anos 1960 e até o ano 2000 o crescimento da região é vertiginoso: surgem 21 municípios e a população salta para cerca de 1 milhão de habitantes. Dos 3 milhões de hectares que compõem a região hoje, 2 milhões “estão dominados por meia dúzia de empresas. O eucalipto toma conta de 800 mil hectares e o restante da área é formado por fazendas de gado e, mais ao sul, pela plantação de cana-de-açúcar”.

Pode-se concluir que, além de pelo menos uma dezena de outros povos indígenas, os Pataxó sempre estiveram presentes nas áreas que reivindicam como tradicionais, desde a chegada dos colonizadores. O que também permite perceber que sempre resistiram.

A década de 1970 é repleta de histórias de massacres de famílias que se negavam a sair das margens do Rio Cahy, cuja foz, no Oceano Atlântico, foi o provável cenário do desembarque dos primeiros europeus no Brasil, em 1.500. A indústria madeireira Bralanda é responsabilizada pelo assassinato de famílias inteiras, caso de um grupo que se autodenominava Guató, segundo Zezinho Pataxó. “Eram uns cinco ou seis. Tudo índio. Eu era garoto e lembro que chegava uns cabas da Bralanda e mandava sair. Esses Guató se negaram e foram mortos. Era assim com todo mundo que se negava a sair”, relembra Zezinho.

Dessa forma a Bralanda antecedeu o Parque Nacional do Descobrimento na sobreposição ao território Pataxó. Deve-se também a essa indústria a devastação da Mata Atlântica na região, o que motivou a criação de áreas de preservação ambiental e novas sobreposições, por órgãos estatais ambientalistas. A professora Maria Giovanda ressalta que “o PND foi criado sobrepondo uma outra sobreposição, a antiga Bralanda. Então, o ICMBio tem colocado uma pá de cal sobre uma injustiça com dezenas de famílias que tiveram seus membros assassinados, a partir de 1970, com a Bralanda e outras empresas que começam a expulsar essas famílias na base da violência”.

A família de Bernarda Machado Neves vivia ao sul da margem sul do Rio Cahy, até a expulsão. O cacique Timborana, da aldeia Cahy, ainda era um menino de dez anos. “O fogo era ateado ao sul do Rio Cahy e, ao norte, os Pataxó se refugiaram. O clã de dona Zabelê e seu Manoel, por exemplo, foi recebido pelos indígenas que viviam nessa porção norte”, explica a professora. Jovita Oliveira Pataxó lembra que eles andavam nus em Cumuruxatiba, cidade em que ela vive ao lado dos filhos. “Se pensar bem, isso aqui era tudo dos Pataxó. Foram chegando, chegando [não indígenas, empresas]. Está aí essa luta hoje”, reflete Jovita.

Desde 2003, quando ocorreram as principais retomadas do território então chamado Cahy-Pequi, hoje Comexatiba, os Pataxó já plantaram mais de 20 mil árvores nativas, incluindo o pau-brasil. As roças são feitas ao redor das casas – sem devastar a mata. “Os Pataxó são os maiores especialistas de Mata Atlântica nessa região. Mantiveram-na e, com ela, sustentaram a alimentação, a base da microeconomia – entre a mata e o mar. Estamos gestando mal-entendidos sobre a história ao afirmar que a Mata Atlântica só pode ser preservada sem os Pataxó”, defende Maria Giovanda.

A professora cita ainda a vasta presença indígena na região, que não compreende apenas os Pataxó. Ela explica que 80% da população de Prado é nativa, oriunda de clãs ou famílias dispersas no percurso da história. Em Cumuruxatiba, por exemplo, “existem seis etnias diferentes; grupos, famílias pequenas. Identificamos tudo isso com estudos e pesquisas”, diz Maria Giovanda.

“O ICMBIO ignora, na sua base etnocêntrica, que, assim como na Amazônia, o etnoconhecimento dos indígenas sobre a natureza, desenvolvidos epistemicamente, os alçam a reconhecidos preservadores das florestas. Os Pataxó também demonstram isso”, aponta a professora. Ela explica que a cosmologia Pataxó está atrelada à Mata Atlântica: “Os nomes dos filhos são de pássaros deste bioma e, da mata, eles retiram suas indumentárias, além da alimentação, a mesa farta… não há possibilidade de sustentação do ecossistema Mata Atlântica sem a demarcação da terra Pataxó”, diz Maria Giovanda ao concluir: “Um ambiente não pode ser sustentável com a desterritorialização de 15 mil indígenas, cuja população de crianças chega a oito mil”.

Aldeia Cahy sob ataque

Em agosto de 2015, homens armados invadiram a aldeia Cahy, em Comexatiba, e queimaram uma maloca que continha artesanatos e objetos de uso tradicional e religioso. Em seguida, ocorreu uma série de ataques de pistoleiros e os indígenas chegaram ao ponto de esconder seus filhos em caixas d’água à noite, com medo dos tiros.

No início deste ano, no dia 19 de janeiro, uma ação de reintegração de posse ocorrida na mesma aldeia Cahy surpreendeu dezenas de famílias. Além do posto de saúde e da escola, várias casas foram destruídas, muitas delas com os pertences dos indígenas em seu interior.

Conforme o relato dos indígenas, aproximadamente cem policiais federais, militares e civis, acompanhados de agentes da Companhia Independente de Policiamento Especializado/Mata Atlântica (Caema), chegaram à aldeia às sete horas da manhã, anunciando a reintegração de posse. “Eles deram um prazo para a gente retirar as coisas das casas, mas o prazo não foi suficiente. Mesmo assim, eles tocaram as patrolas por cima, com as coisas dentro mesmo”, afirma Xawã Pataxó, liderança da aldeia Cahy.

“A reintegração aconteceu de surpresa, no dia em que a comunidade estava se organizando para a festa de São Sebastião. A escola estava sendo organizada para o início do ano letivo, e eles tiraram tudo de dentro e jogaram numa área quase um quilômetro longe da aldeia, de fogão a giz de cera. Agora estamos na rua, não sabemos para onde ir”, relata a liderança.

Na decisão proferida pelo juiz Guilherme Bacelar, da Justiça Federal de Teixeira de Freitas (BA), em favor de uma fazendeira da região, contudo, o relatório já publicado pela Funai não seria critério suficiente para impedir a reintegração de posse, e a situação de insegurança e vulnerabilidade em que os indígenas agora se encontram também não foi considerada um problema. “A gente tinha horta lá. É uma parte importante da nossa subsistência o plantio de mandioca, melancia, que a gente vende pro pessoal da cidade. Não sabemos como vamos fazer agora”, afirma a liderança Xawã Pataxó.

Em setembro de 2015, o mesmo juiz decidiu não conceder uma liminar requerida pelo Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública. Na ação, o MPF caracterizava o caso como de “grave omissão” do poder público, em função da insegurança física e jurídica decorrente da demora na demarcação, e solicitava que o juiz Guilherme Bacelar estabelecesse um prazo de 180 dias para o Ministério da Justiça publicar ou manifestar-se sobre a Portaria Declaratória da TI Comexatiba.

*Essa reportagem compõe a edição de janeiro/fevereiro do Jornal Porantim.

Pataxós em luta por Comexatiba

Eu vim pra essas terras bem antes dessa história de parque, ICM não sei o quê. Expulsaram os mais antigos, e depois voltamos tudo pra cá. Essa aldeia Alegria Nova ficava mais pras brenhas da mata. Tá tudo as marca lá pra quem quiser ver. Aqui, nesse pedaço que refez a aldeia que tamo tudo agora, a gente vinha pegar fruta, nossa medicina (…) Prefiro morrer aqui do que ir pra cidade pedir esmola, viver jogada feito cão sem dono. Meus menino tudo tão entregue pra essa luta”. 

Palavras de Ámora Pataxó sobre a luta de seu povo contra os fazendeiros e o Instituto Chico Mendes (estatal), invasores da Terra Pataxó de Comexatiba no sul da Bahia.   Extraído de “O Estado contra o povo Pataxó”, de Renato Santana, CIMI.

Estudante Kaingang é espancado em Porto Alegre

Em 19 de março, Nerlei Kaingang, estudante de veterinaria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul foi espancado por outros estudantes em frente à Casa dos Estudantes da universidade.

A UFRGS até agora não tomou qualquer providência, protegendo pela identidade dos agressores, acobertando os estudantes racistas.

Ataques aos kaingang no sul do Brasil demonstram como atitudes antiindígenas são presentes no cotidiano das instituições estatais de ensino.

Senado aprova construção de hidroelétrica em terra kaingang em Santa Catarina

No 16 de março, uma Comissão do Senado (Cidadania e Justiça) aprovou a construção de mais uma hidroelétrica na Terra kaingang de Toldo Chimbangue, Santa Catarina.

Através do decreto legislativo 53/2014 a CCJ do Senado autorizou a exploração hidroelétrica e consequente destruição do bioma do rio Irani.O que se viu uma vez mais foi a manipulação de discursos de respeito a diversidade ambiental e cultural, e apologia à políticas de compensação que nada compensam.

Esta aprovação mostra como palavras vazias “cidadania e justiça” são manipuladas para encobrir intenções etnocidas. Para além da máscara desbotada da democracia, o estado segue trabalhando em favor dos interesses dos que têm poder e influência. A noção de cidadania não inclui os indígenas, ao contrário, serve a manutenção e expansão dos privilégios acumulados por governantes, latifundiários e empresários.

Megaconstruções em terras indígenas evidenciam que a demarcação de terras não passa de outra falácia do “estado de direito” para pacificação das populações originárias enganadas. Para estadistas e governantes as “terras indígenas” não são de fato indígenas, mas tratadas como “vazios”, reservas de recursos a serem explorados.

Mulheres indígenas bloqueiam entrada de canteiro de obras em Belo Monte

Para cobrar indenizações da empresa que constrói a usina elas levantaram acampamento em frente a obra e dizem que só sairão quando forem ouvidas

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No mesmo dia em que a Norte Energia comemorou o giro da primeira turbina da hidrelétrica Belo Monte, na quarta (17/2), as mulheres indígenas que vivem há 10 km da barragem principal da usina bloquearam o acesso de trabalhadores para pleitear uma reunião com a empresa Norte Energia sobre os danos causados pelo enchimento do reservatório. A usina está há quatro anos em construção no Rio Xingu (PA).

Mulheres indígenas bloqueiam acesso ao sítio Pimental e impedem a entrada de trabalhadores na barragem principal de Belo Monte

“Nós perdemos muita coisa e estamos tendo muito prejuízos com a pesca”, diz Leiliane Juruna, conhecida como Bel (veja o vídeo).

Os índios Juruna e Arara da Volta Grande do Xingu alegam que não foram comunicados sobre a abertura das comportas e liberação de uma quantidade de água inesperada. Eles dizem que a chegada repentina da água teria levado embora pertences que estavam nas praias e beiras do rio nas aldeias, como redes de pesca e barcos, entre outros.

Da seca a enchente

O Rio Xingu viveu uma seca intensa no fim de 2015, época em que o rio foi definitivamente barrado após a licença de operação da usina. Os índios afirmam quer foram surpreendidos por uma enchente repentina nos dias 24 e 25 de janeiro, na Terra Indígena Paquiçamba. O enchimento do reservatório principal e o intermediário, por meio do desvio das águas do Xingu, foi concluído no dia 13 de fevereiro, segundo informações no site da Norte Energia, empresa responsável pela obra.

Além de uma indenização pelos danos materiais, os índios pedem a criação de um fundo para manutenção das associações indígenas. Outra exigência para desocupar o acesso aos canteiros de obras é ter informações sobre a fase de operação e barragem do rio.

Índios da etnia Juruna e Arara da Volta Grande bloqueiam rodovia Transamazônica para pedir indenizações

“Soubemos ainda por pessoas que trabalham na barragem que há diversas rachaduras e infiltrações no paredão do Pimental e queremos saber informações da Norte Energia, Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente], Ministério Público Federal e do governo a respeito, pois estamos com medo da barragem romper e acabar com nosso povo”, afirma uma carta divulgada pelos manifestantes (leia documento completo).

Na manhã desta quinta-feira (18/2), os Juruna e Arara também prenderam 43 ônibus da Norte Energia, na rodovia Transamazonica, impedindo o acesso de trabalhadores ao sítio Belo Monte, onde esta localizada a casa de força principal da usina.

Até o fechamento desta reportagem a Norte Energia ainda não havia enviado porta voz para falar com os índios. Ainda sobre as possíveis rachaduras na estrutura da usina, a reportagem entrou em contato com o Ibama. Em nota, o órgão afirmou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é responsável pela fiscalização da segurança de barragens.

Quem são os Juruna?

Juruna é o nome pelo qual o povo Yudjá da Volta Grande ficou conhecido nos contatos com os brancos. Os Yudjá são exímios navegadores, canoeiros, e também chamados de “os donos do rio”, pelo fato de, no passado, terem cruzado da foz as cabeceiras do Rio Xingu. Ao lado dos Arara da Volta Grande, são os grupos indígenas que vivem mais próximos dos canteiros de obras de Belo Monte. Além de já conviverem com os impactos da obra há pouco mais de 10 km de suas terras, também terão de conviver com cerca de 80% de redução do fluxo de água após o barramento do rio. Será um grande teste de resistência da biodiversidade e dos povos que vivem neste trecho da Amazônia.

Com Belo Monte, os Juruna se veem, mais uma vez, ameaçados. As famílias dependem da pesca artesanal e ornamental para alimentação e geração de renda. Os estudos de impacto ambiental da Volta Grande do Xingu são inconclusivos. Nem os cientistas e nem os indígenas sabem, neste momento, as dimensões do impacto que a usina poderá causar no rio, com a possível extinção de espécies endêmicas, que só existem nesta região do planeta.

Fonte: Instituto SocioAmbiental