O triunfo indígena que incomoda Facebook e Trump (EUA)

Por Tomás Eliaschev

Nos Estados Unidos, os povos originários acabam de ganhar uma batalha importante contra as corporações petroleiras. A disputa é por um oleoduto em Dakota do Norte, a “serpente negra” da profecia.

O mundo está olhando para os Estados Unidos. E não apenas porque os flashes posam sobre a figura do novo presidente Donald Trump, com suas posturas racistas e xenófobas. Um movimento de luta indígena e ambientalista acaba de conseguir frear o projeto Dakota Access Pipeline (DAPL).

Após meses de acampamento e de manifestações em defesa de seu território e contra o saque do meio ambiente, as organizações conseguiram uma vitória contra a “serpente negra” que profetizaram desde tempos imemoráveis e que agora parece se fazer realidade da mão das necessidades da indústria petroleira de gerar infraestrutura. Se trata de um oleoduto de 3,800 bilhões de dólares, de uma extensão de 1.931 quilômetros e que poderia transportar 470.000 barris por dia de petróleo desde as jazidas betuminosas de Dakota do Norte a uma infraestrutura já existente em Illinois, desde onde o petróleo poderia ser distribuído ao Golfo do México.

“Queremos agradecer a todos os que tiveram um papel advogando por esta causa, à juventude indígena que iniciou este movimento, às milhões de pessoas ao redor do globo que expressaram seu apoio, aos milhares que vieram aos acampamentos nos apoiar, às centenas de milhares que doaram tempo, talento e dinheiro para nossos esforços de rechaçar este oleoduto, em nome da proteção de nossas águas. Especialmente, agradecemos a outras nações indígenas que se juntaram a nós solidariamente. Nós estamos prontos para estarmos juntos a eles quando seu povo o necessitar”, disse Dave Archambault II, presidente da tribo sioux de Standing Rock.

Apesar de terem sido violentamente reprimidos, espiados e silenciados, conseguiram que as autoridades nacionais reconsiderassem o trajeto das tubulações, evitando passar por território sagrado indígena e debaixo do Lago Ohae, localizado junto ao rio Missouri, a fonte de água da Reserva Sioux de Standing Rock.

A decisão foi tomada pelo Corpo de Engenheiros Militares, que negou a permissão à empresa Energy Transfer Parteners. Desde abril passado, centenas de pessoas participam em diferentes acampamentos, como o da Pedra Sagrada e o do Oceti Sakowin, Conselho dos Sete Fogos. Quando souberam que haviam freado a construção do oleoduto foi ouvido o canto “mni wichoni”: a água é a vida.

Mesmo que o inverno esteja chegando no hemisfério norte com suas baixíssimas temperaturas, decidiram continuar com o acampamento, já que consideram que esta é apenas uma batalha vencida. Deverão estar bem preparados: à noite, a temperatura pode chegar a menos de 15 graus negativos.

As companhias construtoras que estão levando adiante a obra – Energy Transfer Partners (ETP) e Sunoco Logistics Partners – emitiram um comunicado queixando-se de que a decisão foi “motivada politicamente” e criticando ao saliente presidente Barack Obama por buscar atrasar o assunto até abandonar o cargo. O dono da ETP foi doador na campanha de Donald Trump, que sempre teve uma postura de desprezo aos povos originários e ao meio ambiente. Até o momento, o presidente eleito não fez declarações sobre o tema. Trump deverá confrontar com um processo de resistência inédito no último século.

Frente ao ultraje de seus sítios sagrados e às ameaças de uma grave contaminação do rio Missouri – o maior da América do Norte -, não apenas se pôs de pé a Grande Nação Sioux senão que congregaram todos os povos originários dos Estados Unidos, aos que se somaram militantes ambientalistas.

Não foi fácil: recorreram à ação direta pacífica para frear o avanço do oleoduto. Sofreram violentas repressões. A polícia local, a força de estrada e a Guarda Nacional não economizaram em brutalidade. Em numerosas oportunidades, os manifestantes foram atacados com cachorros, balas de borracha, bombas e gás pimenta. Em meio das baixíssimas temperaturas, sofreram o ataque de carros hidrantes que lançaram água gelada. Ademais, foram espiados e hostilizados por parte do pessoal de segurança privada, pertencente à empresa Tiger Swan Security, vinculada a Blackwater, a tristemente célebre empresa que provia mercenários para a invasão do Iraque.

Até há poucos dias, a notícia desta luta não figurava na agenda dos grandes meios de comunicação. A informação só circulava graças aos meios alternativos e às redes sociais. Na última e mais violenta das repressões, que aconteceu na madrugada de 20 de novembro, houve 300 feridos, 26 deles hospitalizados. Um manifestante sofreu uma parada cardíaca.

Na ocasião de um ataque policial contra manifestantes, o passado 13 de setembro, o meio alternativo Unicorn Riot estava transmitindo ao vivo desde Facebook. Primeiro, dois de seus repórteres foram detidos. Logo o streaming foi cortado. Facebook alegou um “erro involuntário”.

Um feito que logrou mais difusão que dezenas de protestos foi quando a atriz da franquia “Divergente” e do filme “A culpa é das estrelas”, Shailene Woodley, participou de um dos protestos e foi presa.

Pese à censura inicial, a notícia já circulou globalmente, gerando solidariedade de indígenas e ambientalistas de todo o mundo que se sentiram identificados imediatamente. A diferença com muitas outras lutas similares é que a do oleoduto está acontecendo no coração dos Estados Unidos, onde não se registravam ações coordenadas dos povos originários há muito tempo. O grande país do norte tem uma longa história de tratados não cumpridos e de discriminação, que foram relegando aos nativos uma situação cada vez mais difícil. Ainda está preso o ativista indígena Leonard Peltier, detido desde 1977 no marco de uma luta em defesa de uma reserva indígena, não muito longe de onde agora se desenvolvem os eventos.

Durante muitos anos os indígenas estadunidenses, derrotados, não se fizeram notar. Até que disseram basta. E agora o mundo os escutam. Está claro que vão continuar com essa luta. A dúvida é o que fará o futuro presidente.

Tradução > KaliMar

Fonte: RojoYNegro

Plataforma CACI apresenta panorama do genocídio dos indígenas no Brasil

A Plataforma de Cartografia dos Ataques Contra Indígena (CACI) é um recente levantamento de ataques contra povos indígenas no território dominado pelo Estado Brasileiro. Foi ao ar em junho de 2016 e mapeia parte da violência civilizatória contra povos tradicionais entre os anos de 1985 e 2015.

Nela já constam cerca de 750 assassinatos entre 2003 e 2015 No Mato Grosso do Sul, conhecido por seu contexto de conflitos entre latifundiários e comunidades tradicionais lutando por terra e autonomia – encontra-se em pequenas porções de terra, a segunda maior população indígena no território brasileiro.

Segundo a plataforma CACI é também no Mato Grosso do Sul que estão concentradas mais da metade dos ataques, 400 dos quase 750 assassinatos de indígenas entre 2003 e 2015. A Plataforma de Cartografia de Ataques Contra Indígenas pode ser acessada pelo link.

http://caci.rosaluxspba.org/

Em cerimônia, veteranos do exército pedem desculpas aos Sioux pelo genocídio

Na celebração da vitória indígena que aconteceu em Standing Rock no dia 6 de dezembro, veteranos das forças armadas que se juntaram ao protesto em apoio aos povos indígenas, nas palavras de Wes Clarck Jr, se ajoelharam e pediram perdão aos povos indígenas:

General Wesley Clark Jr. e outros veteranos se ajoelham diante de Leonard Crow Dog durante a cerimonia de perdão na terra indígena Sioux Lakota de Standing Rock. Segunda, 5 de dezembro de 2016.

-“muitos de nós, eu particularmente, somos das unidades que tem ferido vocês por muitos anos, chegamos e lutamos contra vocês, roubamos suas terras e firmamos tratados que não cumprimos, roubamos minerais de suas colinas sagradas, esculpimos os rostos de nossos presidentes em suas montanhas sagradas, roubamos mais terra e pegamos suas crianças, e tentamos apagar suas línguas (…) não os respeitamos e poluímos sua terra, os machucamos de tantas formas, mas viemos dizer que sentimos por isso, que estamos ao seu serviço, e que pedimos seu perdão”.

A Resposta do chefe Leonard Corvo Cão: -“paz para o mundo! vamos fazer um passo, somos a nação soberana Lakota, nós fomos nação e continuamos sendo nação, temos uma língua para falar, temos preservado uma postura de guardiões, nós não somos donos da terra, nós pertencemos a ela.”

O ato dos veteranos não conta com o apoio das forças armadas, mas é bastante simbólico: 2100 veteranos de várias guerras se juntaram à luta dos povos indígenas, se contrapondo ao governo para evitar a construção do oleoduto.

Mostrando que a consciência do respeito a nossas terras sagradas é possível para aqueles que em algum momento estiveram contra nós defendendo os interesses das corporações e do estado.

Kenny Nagy, veterano da guerra de Vietnam, declarou “finalmente vamos estar ajudando os povos dos Estados Unidos ao invés de empresas”.

Nossa luta indígena é pela dignidade e é também pela consciência do respeito pelo mundo que partilhamos como parentes: parentes de muitos povos, parentes dos rios, das plantas e dos animais, todos filhos da terra que nos viu nascer.