No 16 de março, uma Comissão do Senado (Cidadania e Justiça) aprovou a construção de mais uma hidroelétrica na Terra kaingang de Toldo Chimbangue, Santa Catarina.
Através do decreto legislativo 53/2014 a CCJ do Senado autorizou a exploração hidroelétrica e consequente destruição do bioma do rio Irani.O que se viu uma vez mais foi a manipulação de discursos de respeito a diversidade ambiental e cultural, e apologia à políticas de compensação que nada compensam.
Esta aprovação mostra como palavras vazias “cidadania e justiça” são manipuladas para encobrir intenções etnocidas. Para além da máscara desbotada da democracia, o estado segue trabalhando em favor dos interesses dos que têm poder e influência. A noção de cidadania não inclui os indígenas, ao contrário, serve a manutenção e expansão dos privilégios acumulados por governantes, latifundiários e empresários.
Megaconstruções em terras indígenas evidenciam que a demarcação de terras não passa de outra falácia do “estado de direito” para pacificação das populações originárias enganadas. Para estadistas e governantes as “terras indígenas” não são de fato indígenas, mas tratadas como “vazios”, reservas de recursos a serem explorados.
Entre outras comunidades ribeirinhas da Amazônia Peruana, os Nahua de Santa Rosa de Serjali na região de Yucali – na Amazônia peruana – foram pesadamente envenenados no início deste ano, com mercúrio das atividades de mineração.
Adultos e crianças apresentam altos níveis de mercúrio no sangue. Uma criança morreu em março por conta do mercúrio.
Em abril o ministério da saúde declarou estado de emergência durante 90 dias.
Autoridades e a mídia comercial do país enganam a população evitando apresentar a associação óbvia entre a presença de mercúrio e a atividade de mineração na região.
Desde 25 de janeiro deste ano um vazamento de petróleo de grandes proporções vem contaminando pesadamente regiões amazônicas.
O vazamento de um oleoduto da empresa Petro-Peru, em meio a floresta amazônica já atingiu os rios Chiriaco e Marañón.
Dezenas de povos ribeirinhos e indígenas estão sendo afetados pela contaminação. Os sintomas da contaminação por petróleo se apresentam em adultos e crianças: fortes tonturas, vômitos e mal-estar.
As autoridades e a mídia peruana têm evitado a apresentar a real proporção desta catástrofe. A empresa responsável por esse absurdo segue operando normalmente no Peru.
Para cobrar indenizações da empresa que constrói a usina elas levantaram acampamento em frente a obra e dizem que só sairão quando forem ouvidas
No mesmo dia em que a Norte Energia comemorou o giro da primeira turbina da hidrelétrica Belo Monte, na quarta (17/2), as mulheres indígenas que vivem há 10 km da barragem principal da usina bloquearam o acesso de trabalhadores para pleitear uma reunião com a empresa Norte Energia sobre os danos causados pelo enchimento do reservatório. A usina está há quatro anos em construção no Rio Xingu (PA).
Mulheres indígenas bloqueiam acesso ao sítio Pimental e impedem a entrada de trabalhadores na barragem principal de Belo Monte
“Nós perdemos muita coisa e estamos tendo muito prejuízos com a pesca”, diz Leiliane Juruna, conhecida como Bel (veja o vídeo).
Os índios Juruna e Arara da Volta Grande do Xingu alegam que não foram comunicados sobre a abertura das comportas e liberação de uma quantidade de água inesperada. Eles dizem que a chegada repentina da água teria levado embora pertences que estavam nas praias e beiras do rio nas aldeias, como redes de pesca e barcos, entre outros.
Da seca a enchente
O Rio Xingu viveu uma seca intensa no fim de 2015, época em que o rio foi definitivamente barrado após a licença de operação da usina. Os índios afirmam quer foram surpreendidos por uma enchente repentina nos dias 24 e 25 de janeiro, na Terra Indígena Paquiçamba. O enchimento do reservatório principal e o intermediário, por meio do desvio das águas do Xingu, foi concluído no dia 13 de fevereiro, segundo informações no site da Norte Energia, empresa responsável pela obra.
Além de uma indenização pelos danos materiais, os índios pedem a criação de um fundo para manutenção das associações indígenas. Outra exigência para desocupar o acesso aos canteiros de obras é ter informações sobre a fase de operação e barragem do rio.
Índios da etnia Juruna e Arara da Volta Grande bloqueiam rodovia Transamazônica para pedir indenizações
“Soubemos ainda por pessoas que trabalham na barragem que há diversas rachaduras e infiltrações no paredão do Pimental e queremos saber informações da Norte Energia, Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente], Ministério Público Federal e do governo a respeito, pois estamos com medo da barragem romper e acabar com nosso povo”, afirma uma carta divulgada pelos manifestantes (leia documento completo).
Na manhã desta quinta-feira (18/2), os Juruna e Arara também prenderam 43 ônibus da Norte Energia, na rodovia Transamazonica, impedindo o acesso de trabalhadores ao sítio Belo Monte, onde esta localizada a casa de força principal da usina.
Até o fechamento desta reportagem a Norte Energia ainda não havia enviado porta voz para falar com os índios. Ainda sobre as possíveis rachaduras na estrutura da usina, a reportagem entrou em contato com o Ibama. Em nota, o órgão afirmou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é responsável pela fiscalização da segurança de barragens.
Quem são os Juruna?
Juruna é o nome pelo qual o povo Yudjá da Volta Grande ficou conhecido nos contatos com os brancos. Os Yudjá são exímios navegadores, canoeiros, e também chamados de “os donos do rio”, pelo fato de, no passado, terem cruzado da foz as cabeceiras do Rio Xingu. Ao lado dos Arara da Volta Grande, são os grupos indígenas que vivem mais próximos dos canteiros de obras de Belo Monte. Além de já conviverem com os impactos da obra há pouco mais de 10 km de suas terras, também terão de conviver com cerca de 80% de redução do fluxo de água após o barramento do rio. Será um grande teste de resistência da biodiversidade e dos povos que vivem neste trecho da Amazônia.
Com Belo Monte, os Juruna se veem, mais uma vez, ameaçados. As famílias dependem da pesca artesanal e ornamental para alimentação e geração de renda. Os estudos de impacto ambiental da Volta Grande do Xingu são inconclusivos. Nem os cientistas e nem os indígenas sabem, neste momento, as dimensões do impacto que a usina poderá causar no rio, com a possível extinção de espécies endêmicas, que só existem nesta região do planeta.
Carapirú é um índio nômade que escapa de um ataque surpresa de fazendeiros. Durante dez anos, anda sozinho pelas serras do Brasil central, até ser capturado em novembro de 1988, a 2 mil quilômetros de seu ponto de partida. Levado a Brasília pelo sertanista Sydney Possuelo, ele vira manchete nacional e centro de uma polêmica entre antropólogos e lingüistas quanto a sua origem e identidade.
Ficha técnica
Título no Brasil: Serras da Desordem
Título Original: Serras da Desordem
Ano de Lançamento: 2006
Gênero: Documentário
País de Origem: Brasil
Duração: 135 minutos
Estreia no Brasil: 28/03/2008
Estúdio/Distrib: Usina Digital
Em sociedades desiguais como as não-indígenas, identidades nacionais são antigas ferramentas de dominação na mão das elites locais sobre a maior parte da população. Através dessas identidades, uma minoria formada por políticos, fazendeiros e empresários (que são as elites) impõe seus interesses a uma população maior e diversa. Estas elites vêm por gerações concentrando poder e recursos, da relação de dominação das massas que controlam.
“Nacionalidades” estão relacionadas a práticas de saque e destruição que enriqueceram as elites européias coloniais. Esta é a origem pouco lembrada dos termos “argentino” e “brasileiro”.
“Argentino” vem da palavra “argentum” que significa “prata” em latim. Depois que europeus descobriram ouro e prata no continente sua ganancia se tornou avassaladora. Pilharam muitos povos, assassinaram e escravizavam outros para tomar o controle das minas e rios em que esses metais se encontravam.
Utilizaram os rios para levar em navios os metais para Europa. Um dos rios mais largos que melhor serviram aos saques espanhóis foi chamado de Rio del Plata, ou Mar del Plata. Davam os nomes aos lugares conforme aquilo que podiam pilhar, é aí que se encontra a triste origem da identidade “argentina”.
Os primeiros a serem chamados “brasileiros” foram indígenas que foram convencidos a derrubar grandes árvores daquela vasta floresta atlântica que existia na região nordeste do que hoje chamamos “Brasil”. Faziam isso em troca de miçangas, machados, espelhos e outras quinquilharias que os europeus traziam em seus navios. Levavam para seus países estas árvores de madeira avermelhada, da cor-de-brasa, que chamaram “pau-brasil”. “Brasileiros” era o nome dado a esses lenhadores, madereiros aliados dos portugueses, que derrubaram florestas que só existem em imagens de livros de história. Em troca dessa aliança estes povos foram levados a extinção.
Não foram poucos os nacionalistas, defensores das identidades nacionais, que ambicionaram a substituição das identidades indígenas por identidades nacionais. Por vezes essa substituição foi camuflada com discursos de apologia a mestiçagem para convencer indígenas e negros a colaborarem com políticas de branqueamento.
homem desfere dezenas de chutes na cabeça de um indígena que dormia na rua em Belo Horizonte.
Um índio morreu na última sexta-feira num hospital de Belo Horizonte, em Minas Gerais, após ser espancado enquanto dormia em plena rua do centro da cidade. A vítima morreu sem etnia, sem nome e sem idade, pois outro morador de rua roubou sua sacola – e único pertence – enquanto ela agonizava. Três dias depois da sua morte, o falecido, assim como seu algoz, continua sem identidade. A Polícia Militar de Minas Gerais suspeita que pode se tratar de um crime de ódio e racismo.
A agressão aconteceu por volta das duas da madrugada da sexta-feira. O índio estava deitado na calçada da 21 de Abril, uma rua comercial onde era visto há vários anos, até que um brutal chute na cabeça o surpreendeu. Não teve nem oportunidade de reagir, pois o homem que o abordou pisou sua cabeça com força e compulsivamente pelo menos 15 vezes. O índio permaneceu imóvel durante toda a agressão, que foi gravada por uma câmara de segurança. Em apenas um minuto, o desconhecido esmagou sua cabeça.
O agressor que, segundo a polícia era branco de uns 25 anos e vestia bermuda, mochila e boné, apenas se detém uns segundos quando um carro passa na frente dos dois. Ele disfarça do lado da vitima mas continua a selvageria enquanto as luzes do veículo desaparecem.
O índio agonizou largado na rua durante cerca de cinco horas, quando alguém alertou a Polícia Militar. Ele foi levado ao hospital com o crânio afundado e passou o dia respirando com ajuda de aparelhos, mas morreu pouco depois do pôr do sol. Ele foi recordado pelos comerciantes que o conheciam de vista como alguém educado e pacífico e descrito por um policial à imprensa local como alguém com problemas de alcoolismo mas que sempre andava dançando e sorrindo.
Os crimes de ódio contra os indígenas ocuparam as manchetes em 30 de dezembro com o assassinato de Vitor, um bebê do povo Kaingang. Ele abrigava-se junto com sua família na rodoviária Imbituba, no litoral de Santa Catarina, onde dormiam depois de longas jornadas vendendo artesanato. Um homem perfurou com um estilete a garganta do menino de dois anos nos braços da sua mãe.
Os Kaingang, a tribo do menino de dois anos assassinado no final do ano em Santa Catarina, peregrinam pelo litoral catarinense durante o verão para manter a tradição do artesanato. Moradores de cinco aldeias do Oeste e três do Rio Grande do Sul comercializam cestarias em Laguna, Pinheira, Garopaba, e são constantemente expulsos. De locais públicos.
Os pais do menino Vitor, Sônia e Arcelino, nasceram em aldeias distintas do Rio Grande do Sul. Migraram há quase duas décadas para Condá, uma aldeia às margens do rio Uruguai, que sobreviveu à Guerra do Contestado e aos roubos de terras dos funcionários do Serviço de Proteção ao Índio.
Preencher o vazio demográfico do Oeste catarinense era um desafio para o Império, que, como solução, estimulou três ondas pioneiras: pastoril, extrativista e de expansão agrícola. Se o Oeste precisava crescer, os indígenas eram vistos como entraves.
Com as terras expropriadas, os Kaingang da Condá viviam abrigados em barracos de lona no centro da cidade até a década de 90. Na época, muitos foram espancados por moradores do município. A repulsa da sociedade fez com que fossem removidos para o local.
A aldeia Condá tem 2.300 hectares e fica na zona rural. Cerca de 800 pessoas vivem lá. O isolamento fez com que muitos indígenas sequer aprendessem o português. Eles falam Jê. Durante o inverno produzem sua arte para vender no verão. Família que ganha bem lucra no máximo 800 reais por mês. Nos meses frios o dinheiro aperta. Os pais de Vitor torciam por boas vendas no veraneio para adquirirem uma geladeira.
Os Kaingang também são alvo dos integrantes dos Conselhos Tutelares, que vigiam o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, por carregarem as crianças para o trabalho. “Como vamos proibir? Eles precisam aprender nosso ofício. Meu filho não gosta de mendigar, de pedir esmola, mas vender ele adora”, disse Sônia.
Os pais de Vitor estão convictos: não deixarão de trabalhar. “É isso o que fazemos, é a nossa cultura. Se me entrego deixo de pensar nos meus filhos e netos, daí eles que terão que vencer esse preconceito. Vamos continuar lutando e as pessoas terão que nos aceitar”, disse Arcelino.
O historiador Clóvis Brighenti explica o ódio contra a etnia relacionando justamente com o trabalho. Para os imigrantes europeus, que povoaram Santa Catarina, a terra serve para produzir, para explorar. Para os Kaingang, é parte do sagrado. Assim foi construída a ideia de que os índios são vagabundos, que deixam o mato crescer ao invés de plantar. A maledicência repetida se enraizou como verdade. “Desde a escola eu já sofria. Me chamavam de suja, de bugre, de macaca. Falavam que eu morava nos matos, que era filha de vagabundos”, lembrou a vice-cacique da Condá, Márcia Rodrigues.
A intolerância, no entanto, não é novidade. Durante o Império foram criados aldeamentos para os Kaingang. Para fugir da morte, aceitavam a evangelização dos freis capuchinhos. Em 1910 foi criado o SPI (Serviço de Proteção aos Índios), transformando esses locais em reservas.
Segundo o antropólogo Diego Eltz, a partir da década de 40, com a ditadura varguista, os Kaingang sofreram um processo de expulsão das suas terras e só puderam reivindicar moradia a partir de 1988, após promulgação da Constituição.
Preencher o vazio demográfico do Oeste catarinense era um desafio para o império. E se o Oeste precisava crescer, os indígenas eram vistos como entraves
O Relatório Figueiredo, desaparecido por 45 anos, apurou essas matanças e torturas. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, o documento foi encontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7.000 páginas preservadas, em abril de 2013. Em um dos trechos, o relator Jader de Figueiredo descreve sua indignação:
“É espantoso que existe na estrutura administrativa do país repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Vendera-me crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. A fertilidade de sua cruenta história registra até crucificações, os castigos físicos eram considerados fatos normais nos Postos Indígenas. Os espancamentos, independentes da idade ou sexo, participavam da rotina e só chamavam atenção quando, aplicados de modo exagerado, ocasionavam a invalidez ou a morte. Havia uns que requisitavam a perversidade, obrigando pessoas a castigarem seus entes queridos. Via-se, então filhos baterem em mães, irmão espancar irmã. O tronco, era todavia, o mais encontradiço de todos os castigos. Consistia na trituração dos tornozelos da vítima”.
A SPI tinha 130 postos em 18 Estados brasileiros e foi extinta em 1967, dando origem a Funai (Fundação Nacional do Índio). Além da vida, os Kaingang perderam terras em todo seu território, que compreende os três Estados do Sul e São Paulo. Brighenti explica: “Os indígenas representam o passado que incomoda. Aqueles que não deveriam mais existir”.
Atropelamentos
O Conselho Indigenista Brasileiro (CIMI), braço da Igreja Católica que milita na causa indígena, continua a denunciar violências agudas. Em 2015, sete Kaingang foram atropelados em estradas gaúchas e catarinenses. Morreram sem socorro. Em setembro de 2014, uma população enraivecida do município de Erval Grande, no Rio Grande do Sul, expulsou 45 indígenas acampados às margens de uma rodovia estadual. Com apoio da Polícia Militar, sem ordem judicial e sem o conhecimento da Funai, centenas de moradores foram ao acampamento dos Kaingang e obrigaram os indígenas a embarcar num ônibus que os transportou para a cidade de Passo Fundo, a mais de 140 km de distância.
Na madrugada do dia 17 de novembro do mesmo ano, a Polícia Federal e a PM ocuparam a estrada em frente à comunidade Kaingang de Kandóia, no município de Faxinalzinho, Rio Grande do Sul. Vieram 200 soldados munidos com armamento pesado, cavalaria, 70 viaturas, helicópteros e cães policiais. Foi uma caçada.
Há ainda casos célebres. Em 1984, uma mulher Kaingang foi encontrada morta, com um pedaço de taquara transpassando seu corpo – da vagina à boca. Seu corpo foi encontrado nas proximidades da cidade de Tenente Portela (RS). O autor do crime, um proprietário de terras da região, confessou pouco antes de morrer a autoria. Justificou ter sido motivado pelo ódio que sentia dos índios.
No sétimo dia do assassinato de Vitor outro indiozinho morreu, desta vez de fome. Jadson Batista Lopes, um ano, foi enterrado na aldeia Kurussu Ambá, no Mato Grosso do Sul. Desde 2007, cinco crianças morreram na aldeia por desnutrição. O mais velho tinha cinco anos. De acordo com a Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), a falta de alimentação matou quase 600 crianças indígenas nos últimos dez anos. Nas estatísticas, metade da mortalidade infantil no país é ocupada por índios, mesmo que eles representem apenas 0,4% da população.
Especialista questiona origem brasileira dos indígenas sem nunca ter visitado aldeia
A Fatma, órgão de licenciamento ambiental do Estado de Santa Catarina, não tem competência sobre a questão indígena, mas contratou no ano passado um antropólogo para desconstruir em apenas um laudo estudos que renomados antropólogos fizeram durante três décadas sobre a aldeia de Itaty. Os laudos são instrumentos vitais para reconhecimento das terras indígenas. Através de estudos minuciosos contratados pela Fundação Nacional dos Índios (Funai), os pesquisadores identificam se o território é ou não uma ocupação desses povos. Após análise na Justiça em todas as instância e contestação de todos os interessados, o Ministério da Justiça publica o reconhecimento. Por fim, cabe à presidência da República assinar a homologação.
Edward Luz, antropólogo contratado pela Fatma, é antes evangelizador da New Tribes Mission Brasil, criada na década de 50 por missionários norte-americanos para “salvar os tribais não alcançados” pela Bíblia. Já eles alcançam os “Confins da Terra” – como relata o título da revista mensal da congregação. A New Tribes ergueu igrejas em 47 das 340 etnias brasileiras. Há obreiros de cristos no Senegal, Guiné, Costa do Marfim e Moçambique.
No site, o presidente da instituição Edward Luz, pai do antropólogo que tem o mesmo nome, justificou sua intenção: “Pensando em valores eternos, Jesus é o caminho, a verdade e a vida e ninguém vai ao Pai sem ele. É necessário que os índios ouçam Sua mensagem e é só Deus que pode manejar a política humana. Deus está edificando Sua Igreja e as portas do inferno não prevalecerão”.
Na luta contra o diabo, a pedagogia é aliada. A New Tribes possui duas escolas no Brasil para “ganhar almas para eternidade”. O Instituto Bíblico Peniel, em Minas Gerais, e o Instituto Missionário e Linguístico Shekinah, no Mato Grosso do Sul, preparam jovens para abandonar o conforto do lar em nome de Cristo. Mas o termo “mercado de almas” nem sempre é figurado.
A New Tribes foi expulsa de terras indígenas pela Funai em 1991, acusada de escravidão, exploração sexual e tráfico de crianças indígenas. O processo foi arquivado. Segundo a Funai, eles também foram acusados no final da década de 1980 de dizimar os Zoé, na região de Santarém, no Pará, que adoeceram com a presença dos invasores. Por fim foram denunciados por arregimentar almas ribeirinhas, de castanheiros e quilombolas para o trabalho braçal.
No livro A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, Kopenawa narra para o escritor Bruce Albert as experiências que teve com os missionários da New Tribes na infância. Ele viu seu povo ser dizimado por duas epidemias infecciosas provocada pelos obreiros. Por esse histórico, a Funai proibiu o trabalho da New Tribes Mission em diversas aldeias do Norte do país e Edward Luz, o filho, foi expulso da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Mas ele não se conforma. Durante a CPI da Funai deixou claro. “Vamos banhar a semente em sangue se for preciso. Se o Governo proíbe pregar o evangelho, está proibindo a liberdade da adoração, proíbe o autor do evangelho, o senhor Jesus. E nós partimos para o confronto”.
Edward também foi desligado por unanimidade do Núcleo de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade de Brasília. Entretanto, a Fatma o contratou, sem ele nunca ter publicado trabalho acadêmico sobre o povo Guarani. O presidente da Fatma, Alexandre Waltrick Rates, justifica que, assim como as referências de Edward são questionadas por alguns, há restrições do Estado quanto aos outros profissionais que fizeram laudos na área.
Em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), Edward admitiu que nunca entrou na aldeia Itaty, que não conhecia os Guarani do Sul do Brasil, que escolheu aleatoriamente cinco indígenas de outras terras para munir sua conclusão e que antes mesmo de desembarcar no Estado negociou com a Fatma a elaboração de um laudo contrário à demarcação. A tese vendida por Edward é que os indígenas da Itaty foram trazidos do Paraguai por ONGs e pela Funai para lucrar terras da União. (Sim, você já leu essa frase antes).
A questão é que todos os moradores da Itaty são brasileiros, seus antepassados estavam ali antes do nascimento dos antropólogos, dos deputados, do governador e dos imigrantes europeus que aprenderam com eles o cultivo da terra e o ofício da pesca. Estavam ali antes do mundo ser dividido em países.
As raízes da guerra aos índios no sul
Aline Torres
Dia 5 de novembro de 1808, D. João VI autorizou por decreto a matança dos índios que viviam no Brasil quando os portugueses aqui desembarcaram. “Desde o momento em que receberdes esta minha Carta Régia, deveis considerar como principiada a guerra contra estes bárbaros Índios”, dizia o documento. Menos de 50 anos depois, o fundador de Blumenau (município a 152.9 km de Florianópolis), solicitou ao governador de Santa Catarina “a desinfecção completa do terreno entre Itajaí Grande e o Mirim, e a destruição e aprisionamento deste bando de rapinas”. Foi fundada a Patrulha dos Bugreiros, contratados pelo Governo para expulsar índios.
Segundo o antropólogo Silvio Coelho dos Santos, para legitimar a ação dos caçadores de Xokleng foi criado um sistema ideológico no qual os índios eram representados como vadios e ameaças a concretização dos ideais de “progresso” e “civilização”. Os bugreiros eram heróis. O governo e o povo os apoiavam e a imprensa os idolatrava.
No jornal Novidades, publicado em Itajaí em 1904, a preferência fica clara. “O chefe da expedição José Bento foi morto pelos bugres. Sua morte deve ser sinceramente sentida. José Bento era um homem muito valente e o melhor dos nossos caçadores de bugres”.
O mais famoso dos bugreiros foi Martinho Marcellino de Jesus, que caçava em Lages. Uma vez chamado para fazer a contagem das mortes, justificou. “Por favor, senhores, deve haver algum engano, eu não matei cem índios. Em defesa dos colonos e de suas propriedades eu matei mais de mil índios”.
É que ser bugreiro era lucrativo. Para receber o pagamento da Companhia de Colonização os caçadores cortavam as duas orelhas dos Xokleng e as entregavam aos agentes, assim se comprovava o cumprimento do serviço. O comércio durou um século. Em entrevista ao padre Leonir Dall’Alba, na década de 70, o bugreiro Ireno Pinheiro contou como trabalhava.
“O assalto se dava ao amanhecer. Primeiro, disparava-se uns tiros. Depois passava-se o resto no fio do facão. O corpo é que nem bananeira, corta macio. Cortava-se as orelhas, cada par tinha um preço. Às vezes para mostrar a gente trazia algumas mulheres e crianças. Tinha que matar todos. Senão algum sobrevivente fazia vingança. Quando foram acabando o governo deixou de pagar a gente. Getúlio Vargas já era governo quando fiz a última batida”.
No caso da Itaty são tão brasileiros que os maiores de 27 anos foram registrados com nomes portugueses, já que antes da Constituição de 1988 não se aceitavam nomes indígenas. Kerexu foi transformada em Eunice Antunes pelo cartório de Limeira, no Oeste. O MPF aponta ainda outro problema. O dinheiro pago para Edward deveria ter sido utilizado como compensação ambiental em Itajaí, mas foi gasto com o laudo. Por essa manobra a procuradora da República Analúcia Hartmann irá mover uma ação contra a Fatma.
Waltrick Rates disse que o laudo foi solicitado para defender os interesses do Estado, já que as terras estão dentro da Serra do Tabuleiro. Ele também defende que a indicação de onde deve ser utilizado o dinheiro cabe ao órgão ambiental para manejo das unidades de proteção.
Em Santa Catarina, há 10 unidades de conservação – Serra do Tabuleiro, Parque Estadual das Araucárias, Fritz Plaumann, Rio Canoas, Acaraí, Rio Vermelho, Serra Furada, Canela Preta, Agual e Sassafrás. Somadas, as terras têm extensão equivalente a Florianópolis. A Fatma designa 17 servidores para protegê-las. Na Serra do Tabuleiro, há 110 construções ilegais, inclusive, casas de veraneio. O órgão ambiental não as questiona na Justiça.
Por outro lado, a PGE pede a anulação da demarcação das terras indígenas com base no marco temporal. O Estado pede provas da existência da Itaty no dia 5 de outubro de 88.
A busca da PGE, no entanto, é facilmente encontrada nos livros de História. Silvio Coelho Santos, um dos fundadores do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), escreve sobre a presença Guarani no litoral catarinense. Na região conhecida como Massiambu há dezenas de sítios pré-históricos. O padre Elias Della Giustina visitou o Morro dos Cavalos e tirou uma série de fotografias dos indígenas e ainda assinou a data atrás delas, 1988. O documento foi utilizado nos trâmites que reconhecem a legalidade do território.
Aliás, até o próprio nome do município onde está situado o Morro dos Cavalos tem origem tupy. E, não por coincidência, o time de futebol mais tradicional se chama Guarani de Palhoça.
As difamações replicadas por Luz, entretanto, não são novidade. Elas são repetidas há anos por três porta-vozes, mas apenas no ano passado ganharam repercussão. O primeiro é o Guarani Milton Moreira, expulso de três aldeias de Santa Catarina, inclusive do Morro dos Cavalos, terra que ele tentou vender por 10.000 cruzados (moeda da época) em 1985 de maneira ilegal, sem a posse das escrituras. Recebeu dinheiro, mas a terra pertence à União atualmente. Na época da venda feita por Moreira, a tribo havia solicitado na Justiça a posse da área. Moreira fez o negócio à revelia do grupo, e por isso foi expulso.
O comprador das terras, Walter Alberto Sá Bensousan, é outro que propaga a versão do questionado antropólogo. E a terceira, a advogada Suzana Alano, representante da associação de moradores da localidade vizinha à Aldeia Itaty. Em uma das suas campanhas contra os indígenas, ela foi à Assembleia Legislativa de Santa Catarina chamar a atenção dos deputados sobre o caos que os índios trariam caso a homologação fosse efetivada.
Suzana fez as contas e concluiu que 100.000 indígenas, o equivalente à população total Guarani de três países da América do Sul, viriam do Paraguai para a região do Morro dos Cavalos em caso de demarcação. Na realidade, 200 pessoas moram ali, segundo a Funai. Em audiência com a procuradora Hartmann, Suzana alegou que os Guarani vieram indiscutivelmente do Paraguai, pois consomem erva mate, denominada cientificamente como “paraguariensis”. Os três são testemunhas da CPI.
Aprovação parcial da PEC 215 motivou ataques a região onde vive líder indígena
Kerexu avisou: “vamos ter que nos preparar”. Não deu tempo. Três dias após a PEC 215 ser aprovada em comissão especial no Congresso no final de outubro, a cacica Guarani foi ameaçada de morte. Trinta homens atacaram a aldeia Itaty, liderada por Kerexu, situada no Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, a 30 quilômetros de Florianópolis, no sul do Brasil. As 39 famílias que vivem ali testemunharam a entrada de um caminhão, duas motos e 10 carros. Os estranhos dispararam para o alto com revólveres, soltaram rojões, disseram que iriam expulsar as famílias, invadiram uma casa e, se autointitulando donos do pedaço, fizeram churrasco, com direito a música alta.
Para a cacica Kerexu, o recado foi curto. Ela está na mira. Os homens não foram identificados e apesar de quatro deles terem passado a noite na aldeia, a Polícia Federal não os prendeu e apenas os retirou por insistência da procuradora da República Analúcia Hartmann. O argumento dos invasores foi que se a PEC iria tirar os indígenas dali, eles poderiam antecipar o serviço.
Essa não foi a primeira ameaça do ano. Há dois meses, motoqueiros entraram em Itaty disparando. A aldeia é habitada principalmente por crianças e adolescentes, que representam 60% do grupo. O alvo foi a casa de Kerexu, onde vivem seus dois filhos Karaí, 9 anos, e Rayana, 14 anos. Também não foram poucos os telefonemas anônimos que a juraram de morte.
Itaty está situada no quilômetro 233 da BR-101, onde uma passarela conecta as 39 famílias, que sofrem o peso das manobras no Congresso para enfraquecer o direito a seu espaço. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito, pautada pela bancada ruralista e autorizada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no dia 28 de outubro, foi instalada um dia após a aprovação da PEC-215, que propõe uma manobra à Constituição para delegar justamente aos deputados a competência de julgar a demarcação de terras indígenas, quilombolas e reservas ambientais brasileiras.
O foco da CPI é investigar as ações da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), algo visto com enorme preocupação por colocar em risco uma legislação que reconhece o direito indígena, que avançou com muita dificuldade.
E os Guaranis, que por meio da dança, espantam os maus espíritos, sabem bem disso. Desde a fundação dos mitos, o espírito mais perverso entre eles se chama Anha, o demônio. Mas Anha perdeu seu posto recentemente para a PEC 215, também chamada pelos índios de “PEC da morte”.
Deputados catarinenses e o Governo do Estado questionam a permanência dos Guarani nas terras de 1988 hectares entre a ponte do rio Massiambu e a ponte do rio do Brito. Ignoram 23 anos de processos vencidos em todas as instâncias jurídicas e o reconhecimento do Ministério da Justiça, publicado em abril de 2008.
Durante 30 anos, pesquisadores da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), a principal instituição científica do país, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Brasília (UNB) publicaram estudos históricos, fundiários, cartográficos, ambientais e antropológicos sobre o Morro dos Cavalos. Há 978 artigos científicos nas bibliotecas virtuais desses centros de ensino sobre a existência legal e legítima da região indígena e suas raízes ancestrais ali. Mas, bastou um único laudo, escrito por um antropólogo contratado pelos latifundiários, para exibir como trunfo em meio à CPI. Um laudo que sugere que não são índios de verdade, mas trazidos do Paraguai.
Na ponta mais fraca, quem segura a pressão é a indígena baixinha de pele amorenada, longos cabelos pretos e olhos sestrosos. Kerexu Ixapyry, 35 anos, foi nomeada a primeira cacica do Morro dos Cavalos em fevereiro de 2012. Sua fala é mansa e pausada e apesar da aparente calma, não dobra a espinha. Se quase 70.000 homens lideram suas tribos no Brasil, ela é uma das 12 cacicas, gênero feminino do cacique.
Kerexu é conhecida por exibir seu alto cocar de penas vermelhas, amarelas e azuis nos grandes encontros em Brasília, reunida entre lideranças masculinas de outras etnias, dispostos todos a sair da invisibilidade em que vivem. Se antes ela não passava despercebida entre os seus, atualmente é conhecida como a primeira vítima das brutalidades que serão desencadeadas caso a PEC 215 vigore.
Os homens que invadiram a aldeia faziam tortura psicológica entre os seus. “Me falaram que fomos trazidos do Paraguai, que a CPI vai tirar nossas terras. Eu nunca tinha visto eles. Se alguém falasse alguma coisa teria morte, eles tinham ódio. Fiquei quieto, só ouvi. Não duvido que numa noite qualquer alguém entre atirando e mate todo mundo”, disse Verá Ixapyry, 22 anos, irmão da cacique, que mora ao lado da casa que foi invadida. Kerexu resiste, mas também fraqueja. “Às vezes me sinto na beira de um abismo, onde me propõem: pula ou te empurramos”, diz.
Na aldeia, ouve-se o barulho dos caminhões mais do que dos pássaros. A terra Guarani foi cortada ao meio pelos militares durante a construção da BR-101, a maior rodovia brasileira, que liga o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte em 4.542 km de extensão. Desde então, a estrada é vista como progresso. E os índios que vivem às suas margens têm a pecha de representarem o atraso.
Dos 21 deputados que votaram a favor da PEC 215, dois são catarinenses. Valdir Colatto (PMDB), uma das principais lideranças pela revogação do Estatuto do Desarmamento, foi financiado pela indústria armamentista e recebeu 36,9% do dinheiro de sua campanha do agronegócio, de acordo com dados do Instituto da Justiça Federal.
Os índios Guarani da aldeia Itaty, no Morro dos Cavalos, vivem à margem da BR-101, desde que a estrada construída na época do Governo militar cortou suas terras ao meio.
Celso Maldaner recebeu 15%. Ele explicou o incentivo financeiro pela defesa que faz aos agricultores do Oeste catarinense. “Eles compraram terras na boa fé e agora tem que entregá-las aos índios, não é justo”, disse. Sobre os indígenas do Morro dos Cavalos, ele sugere que eles sejam paraguaios, trazidos por ONGs para faturar verbas da União.
Por fim, defende que a PEC seja benéfica aos indígenas. “Eles vão poder explorar a terra, os minérios, construir hidrelétricas ou arrendar o que têm. Afinal, precisam de dinheiro. Ninguém gosta de viver no miserê”. O Morro dos Cavalos faz parte da unidade de conservação Serra do Tabuleiro, onde há 2.292 nascentes e o mais diverso bioma do Estado.
Colatto não quis conversar com a reportagem. Em seu discurso, durante a votação, afirmou que os indígenas catarinenses eram favoráveis à PEC. Essa versão foi desmentida por meio de carta aberta divulgada pelas três etnias catarinenses, Guarani, Xokleng e Kaingang.
Apesar de viver com pouco, os Guarani não vestem a carapuça da pobreza que lhes empregam. “Nhanderú disse: ‘Vocês vão morar nessa terra e vão proteger ela’. Esse é o nosso destino. Não queremos terra para vender. Terra é de Nhanderú, não pode ser vendida. Ela está viva, todos os seres que a habitam são nossos parentes. Essa é nossa riqueza, não nos preocupamos com outros bens materiais”, disse Tupã Karaí, 60 anos, xamã da Itaty.
Tupã mora na casa mais alta do lado esquerdo da BR-101 com a mulher, as duas filhas, os genros, cinco netos e muitos cachorros. Sua pele morena é talhada pelo tempo, as mãos parecem cascas de árvores, ele só não sorri para tirar fotos, no mais, é pura gentileza.
Além das rezas, é responsável pela preservação das sementes crioulas do milho, repassadas de gerações em gerações há milênios. Tupã planta milho vermelho, preto, roxo, amarelo, com pintas. Entre agosto e setembro de cada ano colhe as sementes e as leva à opy (casa de reza) para serem consagradas por Nhanderú.
Celebra-se então o Ara Pyau, ano novo Guarani, novo ciclo de renovação da Mãe Terra. Os recém-nascidos são batizados, recebem seus nomes espirituais, soprados pelos ancestrais desencarnados através da fumaça do Petyngua (cachimbo sagrado). Esse rito chama-se Nhemongarai (consagração e batismo) e envolve as pessoas da comunidade e também de outras aldeias que trazem seus alimentos para somar ao plantio.
Aldeias próximas a Itaty plantam feijão preto, abóbora e erva mate. Paralelamente, ao Nhemongarai é praticado o Guatá, a caminhada que traz fertilidade a terra. O ritual permite que as aldeias se visitem e mantenham a sensação de unidade. Quando um índio chega com sementes é recebido com festa e decide se quer partir novamente para sua aldeia. Muitos ficam. Kerexu morou em 10 aldeias antes de liderar a Itaty.
Esse rito principal é o mais atacado. O deputado federal Alceu Moreira (PMDB – RS) crê que “esse ir e vir é só para aumentar terra para índio”. Nos seus depoimentos ele defende que os indígenas invadem fazendas e aos poucos se somam para tomá-las. A fraude seria orquestrada pelo CIMI, que segundo sua visão, estaria a serviço da inteligência norte-americana europeia para não permitir a expansão das fronteiras agrícolas do Brasil. Moreira foi um dos principais articuladores pela redução da proteção das matas com a flexibilização do Código Florestal em 2012. Votou a favor da PEC 215 e é presidente da CPI da Funai.
Ao seu lado está o coordenador da Frente Parlamentar de Agropecuária, deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS), como vice-presidente da CPI. Ficou famoso em 2013 ao definir, durante uma reunião de uma Comissão, que “quilombolas, índios, gays e lésbicas… tudo que não presta estão aninhados [no gabinete de Gilberto Carvalho, então ministro da Secretaria Geral da Presidência, do primeiro mandato de Dilma] ”. Na mesma comissão, Moreira chamou a demarcação de índios e quilombolas de “vigarice” e disse que Carvalho estava no comando.